As perturbações depressivas encontram-se entre as doenças mentais mais comuns, a par com as perturbações de ansiedade. Em Portugal, a cada ano, 7.9% das pessoas sofre de algum tipo de perturbação depressiva. Infelizmente, nem todas recebem tratamento com antidepressivos, prolongando de forma desnecessária um sofrimento individual que pode ser atroz e que, para além disso, pode ter importantes implicações na vida familiar, laboral e social.

 

Um dos motivos para o atraso no tratamento pode estar relacionado com a vergonha de se estar deprimido e de se necessitar de ajuda, podendo surgir ainda a autoculpabilização (“A culpa de estar assim é minha e tenho de ser eu a conseguir vencer este problema”). Na verdade, a autoculpabilização excessiva é, em si mesma, um sintoma depressivo. Assim, os próprios sintomas da depressão podem impedir a procura de ajuda! (Para conhecer melhor os outros sintomas da depressão, poderá ler alguns artigos no nosso blog como: “O que é a Depressão?”, “Os 9 Tipos de Depressão” e “Como distinguir a tristeza da depressão?”).

 

Felizmente, hoje em dia existe uma ampla gama de tratamentos com eficácia comprovada cientificamente. Estes podem classificar-se em tratamentos biológicos, psicológicos e sociais:

 

Tratamentos biológicos

 

Os tratamentos biológicos, como o nome sugere, atuam diretamente sobre a biologia do corpo. Todos os tipos de depressão, independentemente da causa, afetam e são afetados pela biologia do corpo. As pessoas deprimidas, por exemplo, podem ter alterações dos níveis cerebrais de neurotransmissores, alterações hormonais (sobretudo do cortisol, conhecido como a hormona do stress) e alterações do sistema nervoso autónomo. Com base nestas alterações do funcionamento normal do organismo, podemos compreender o motivo pelo qual as pessoas com depressão podem apresentar sintomas como alteração do apetite, alteração do sono, cansaço e até desregulação do trânsito intestinal. Além disso, podemos compreender o porquê de uma das principais vias para o tratamento consistir na reposição do estado de equilíbrio habitual do corpo, através de tratamentos biológicos.

 

A medicação antidepressiva consiste no tipo principal de tratamento biológico. Outros tipos menos disponíveis, não tão usados ou com menor evidência científica, mas igualmente legítimos e úteis, incluem a fototerapia (tratamento através do uso de luz branca), estratégias nutricionais e técnicas de estimulação cerebral.

 

Tratamentos psicológicos

 

Os tratamentos psicológicos são outro ramo igualmente importante. Atualmente, existem várias modalidades de psicoterapia com eficácia comprovada no tratamento da depressão. Entre elas, as duas com mais estudos de eficácia são a terapia cognitivo-comportamental e a terapia interpessoal. Será importante, no entanto, referir que a eficácia não deve ser o único critério na escolha de uma psicoterapia – é fundamental que a pessoa se identifique com o tipo de psicoterapia e que esta lhe faça sentido. (Para conhecer melhor os vários tipos de psicoterapia existentes, leio o artigo do nosso blog: “Abordagens Psicológicas”).

 

Tratamentos Sociais

 

Finalmente, os tratamentos sociais dão importância ao contexto social da pessoa, modificando-o. No tratamento da depressão, é importante manter contacto com a rede de suporte psicossocial (formada por amigos, familiares e outros contactos alargados), manter rotinas diárias regulares e um plano de atividades prazerosas. A perda de relações interpessoais emocionalmente significativas e a perda de rotinas são dos fatores precipitantes e de manutenção mais importantes da depressão.

 

Neste artigo, o médico e psicoterapeuta Fábio Monteiro da Silva irá abordar as questões mais frequentes sobre o tratamento da depressão com recurso a antidepressivos. Esta estratégia está envolta em vários preconceitos e informações erradas – por exemplo, que os medicamentos deixam a pessoa dopada, que criam dependência ou que, uma vez iniciados, não é possível descontinuá-los. Outras ideias erradas incluem a conceção de que o tratamento com antidepressivos é um recurso de última linha ou um indicador de fraqueza por parte da pessoa.

 

Estas e outras questões serão de seguida abordadas. No caso de dúvida, não hesite em contactar os nossos profissionais!

 

 

Afinal, o que são os antidepressivos?

 

Os antidepressivos são fármacos que atuam no sistema nervoso central, melhorando os sintomas de depressão. Existem várias classes de antidepressivos, definidas pelo mecanismo de ação a nível cerebral. A menção de todos os fármacos disponíveis em Portugal estará fora do âmbito deste artigo, no entanto, entre aqueles mais utilizados, e dos quais já pode ter ouvido falar, encontram-se, por exemplo, a sertralina, a fluoxetina, o escitalopram, a paroxetina, a venlafaxina, a mirtazapina ou a vortioxetina.

 

Como atuam os antidepressivos?

 

Os antidepressivos atuam de várias formas. O mecanismo de ação mais conhecido envolve o aumento da ação de neurotransmissores (moléculas envolvidas na comunicação entre os neurónios). Os principais neurotransmissores envolvidos nas respostas de prazer, na motivação e na energia vital são a serotonina, a dopamina e a noradrenalina. Todos os antidepressivos atuam sobre um ou vários destes neurotransmissores, os quais se encontram geralmente reduzidos em pessoas deprimidas. É possível que outros mecanismos estejam implicados, como estimulação da regeneração cerebral, aumento da conectividade entre partes do cérebro ou diminuição de níveis de inflamação a nível cerebral.

 

A nível psicológico é expectável que, com o tratamento, sinta redução dos níveis de tristeza, mais energia, mais ânimo, menos cansaço e menor tendência a ruminar. A ruminação é um dos principais sintomas de depressão. Quando tal ocorre, a pessoa deprimida fica presa em ciclos infinitos de pensamentos sobre um mesmo assunto, sem conseguir obter soluções ou respostas novas, geralmente com uma tonalidade autodepreciativa e autocrítica. O tratamento pode também diminuir a ruminação, permitindo à pessoa ter mais perspetiva sobre si, os seus problemas e a sua vida. Este abrandamento dos pensamentos ruminativos cria espaço para encarar os problemas de formas novas e encontrar outras soluções.

 

Para que são usados?

 

Além de serem utilizados no tratamento das perturbações depressivas, estes medicamentos podem ser utilizados noutros problemas, como perturbações de ansiedade (perturbação de pânico, agorafobia, perturbação de ansiedade generalizada, fobias), perturbação obsessivo-compulsiva e bulimia nervosa. Alguns podem ainda ser utilizados na regularização do sono.

 

A designação “antidepressivo” é, portanto, pouco precisa, já que estes fármacos podem ser utilizados noutras situações, para além da depressão. A sua designação deve-se apenas ao facto de o primeiro efeito descoberto ou estudado ter sido o efeito antidepressivo.

 

Quando surgem os efeitos terapêuticos?

 

O início dos efeitos terapêuticos depende do tipo de patologia. No caso da depressão, os efeitos não são imediatos. Geralmente, são notórios por volta de segunda semana, continuando a aumentar até aproximadamente a sexta semana de tratamento. No caso das perturbações de ansiedade, o início dos efeitos pode ser mais lento. O mesmo pode acontecer no caso de pessoas de idade mais avançada.

De qualquer das formas, é importante manter a ideia-chave de que é necessário dar algum tempo ao tratamento para que ele tenha efeito.

 

 

Quais são os principais efeitos laterais?

 

Os efeitos laterias vão depender de cada fármaco individualmente. Contudo, os mais comuns incluem:

  • Náuseas ou desconforto abdominal: Este efeito é comum, mas geralmente ligeiro e transitório. Tipicamente, surge na primeira semana de tratamento e passa em poucos dias. O tratamento não deve ser descontinuado se estes sintomas surgirem, a menos que sejam intoleráveis;

 

  • Aumento transitório de ansiedade: Outro efeito por vezes sentido é um aumento ligeiro e transitório da ansiedade no início do tratamento. Tal como o enjoo, também passa em poucos dias e é ligeiro, pelo que não é necessário parar o tratamento;

 

  • Disfunção sexual: Alguns antidepressivos (mas não todos) podem interferir com o desejo e a excitação sexual. No entanto, a própria depressão também pode, por ela mesma, diminuir o apetite e a resposta sexual, pelo que este efeito deve ser discutido e ponderado individual e cuidadosamente com o seu médico;

 

  • Efeitos sobre o apetite: Alguns antidepressivos diminuem e outros aumentam o apetite. Este também é um efeito lateral que deve ser ponderado individualmente, pois pode haver vantagem ou desvantagem em usar um medicamento que aumente ou que diminua o apetite, dependendo da pessoa;

 

  • Sonolência: Este é um dos efeitos laterais mais temidos, associado à ideia de que a medicação faz com que a pessoa fique “dopada” ou “apagada”. No entanto, esta ideia é errada, por dois motivos: 1) apenas algumas medicações antidepressivas têm este efeito, geralmente as mais antigas – as medicações mais recentes são muito bem toleradas e, algumas, praticamente não apresentam efeitos laterais significativos na grande maioria das pessoas; 2) na realidade, dependendo do tipo de depressão, o efeito sedativo pode ser benéfico – se tomados ao deitar, alguns antidepressivos sedativos podem melhorar o sono, ajudando a recuperar o bem-estar e a vitalidade. Ao dormir bem durante a noite, durante o dia sentir-se-á com mais energia e ânimo.

 

Estes efeitos são alguns dos mais comuns, mas os efeitos específicos de cada fármaco devem ser discutidos com o seu médico. No caso de pessoas com outras doenças, como obesidade, alterações dos lípidos (dislipidemias), doenças cardíacas, renais, hepáticas ou outras, algumas medicações poderão estar contraindicadas.

De uma forma geral, atualmente, existem várias opções com eficácia comprovada e com poucos efeitos laterais.

 

Posso tomar antidepressivos estando grávida ou a amamentar?

Algumas mulheres podem sentir agravamento de sintomas depressivos durante a gravidez ou no período pós-parto. Por vezes, estes sintomas causam um sofrimento significativo e fazem com que os cuidados ao bebé exijam mais esforços por parte da mãe. Felizmente, existem antidepressivos que podem ser prescritos durante a gravidez e durante a amamentação com pouco risco para o bebé. Os riscos e os benefícios da medicação devem ser ponderados com o seu médico, tendo em conta que a própria depressão, se não for tratada, pode ela mesma apresentar riscos para o próprio bem-estar da mãe e do bebé.

 

 

Qual o antidepressivo ideal para mim?

O antidepressivo é escolhido de acordo com vários critérios, por exemplo:

  • O perfil de sintomas: Se a depressão origina falta de apetite, pode beneficiar de um antidepressivo que aumente o apetite (por exemplo, mirtazapina); se tem aumento do apetite, pode beneficiar de um antidepressivo que não tenha efeito no apetite ou que o reduza (por exemplo, fluoxetina); se tem insónia, pode ser útil recorrer a um antidepressivo que ajude a dormir (por exemplo, mirtazapina ou trazodona);

 

  • O perfil de efeitos laterais;

 

  • A eficácia prévia: Se já fez tratamento no passado com um antidepressivo que foi eficaz, esse poderá ser a melhor escolha. Por este motivo, é importante registar medicações que já tenha feito no passado;

 

  • Tratamento de outras doenças: Embora o objetivo principal seja o tratamento dos sintomas depressivos, alguns antidepressivos podem ser escolhidos por ajudarem simultaneamente no tratamento de outras patologias – a duloxetina, por exemplo, é usada no tratamento de dor crónica e fibromialgia.

 

De uma forma global, a escolha é feita com base nos critérios acima e não tanto pela eficácia dos vários antidepressivos, uma vez que esta é semelhante entre eles.

 

E se o tratamento não resultar?

 

Neste caso, pode ser necessário ajustar a dose, trocar para um outro medicamento ou complementar o tratamento com outra estratégia (por exemplo, combinar o tratamento farmacológico com um programa de mindfulness ou com psicoterapia). Não existe atualmente forma de prever que medicamento é eficaz em cada pessoa, mas, felizmente, muitas pessoas que não respondem a uma primeira estratégia melhoram com um ajuste ou uma mudança de medicação.

 

Quanto tempo dura o tratamento?

 

O tratamento da depressão é dividido em várias fases:

  1. Fase aguda: O objetivo desta fase é a pessoa deixar de estar clinicamente deprimida, ou seja, sem sintomas ou com sintomas mínimos. Não existe duração predefinida para esta fase – ela dura até a pessoa voltar a sentir-se ela mesma e saudável. No entanto, a recuperação é frequentemente observada ao fim de dois ou três meses;

 

  1. Fase de continuação: Após a recuperação, é necessário manter a medicação por mais algum tempo, por forma a consolidar os ganhos obtidos com o tratamento. Geralmente, este período dura entre 6 e 9 meses. Uma das causas mais frequentes de recaída é a suspensão muito precoce do tratamento, logo após a melhoria inicial;

 

  1. Fase de manutenção: Esta fase do tratamento tem como objetivo evitar que novos episódios surjam no futuro, ou seja, tem um intuito preventivo, aplicando-se a pessoas que já tiveram vários episódios depressivos no passado (perturbação depressiva recorrente). Indivíduos que já tiveram vários episódios podem discutir com o seu médico a opção de fazer um tratamento preventivo a longo prazo, já que vários estudos mostram que, ao fazê-lo, as recaídas diminuem. A medicação é uma estratégia entre várias outras, as quais podem e devem ser usadas simultaneamente (como psicoterapia, mudanças de estilo de vida ou programas baseados no mindfulness).

 

 

Após o tratamento, como devo parar os antidepressivos?

 

Após o tratamento, a descontinuação deve ser feita lentamente, geralmente ao longo de pelo menos um mês, para evitar sintomas de descontinuação. Alguns antidepressivos, no entanto, podem ser parados de uma só vez (por exemplo, fluoxetina e vortioxetina). Com a interrupção, pode sentir alguns sintomas de descontinuação, como ansiedade ou tonturas, mas que geralmente são ligeiros e transitórios.

 

Apesar de a depressão ser uma das principais doenças mentais e de causar manifesto sofrimento às pessoas que dela padecem, existem vários tratamentos eficazes, desde fármacos a psicoterapias. Neste artigo, foram abordadas algumas questões comuns relativamente ao tratamento com antidepressivos. É provável que outras questões tenham ficado por responder. Se assim for, não hesite em entrar em contacto com a nossa equipa!

 

Fábio Monteiro da Silva – Psiquiatra WeCareOn