Admitamo-lo. Muitos de nós têm limites pobres. Limites ou essa “fronteira” por vezes tida como desaparecida, perdida em parte incerta. Desde o primeiro dia das nossas vidas, nós, seres humanos, sentimos que para viver as nossas necessidades deveriam ser atendidas.

 

Vamos crescendo, porém, com a noção de que não seremos verdadeiramente aceites se dissermos o que queremos. A condição de termos sido outrora crianças ou “pequenos” fez com que dentro de nós se instalasse a convicção de que precisaríamos de outras pessoas ou outras coisas, para além de nós mesmos, que nos desse segurança. De alguma forma, está impresso no nosso ADN uma sensação “limite” que se traduz na dificuldade em responder à pergunta: consigo eu proteger-me?

 

Que fronteiras são essas que desde a infância accionamos quando o mundo à nossa volta responde (ou não) às nossas necessidades?

 

Afinal de contas, o que é a ansiedade?

 

Devemos antes de mais considerar a ansiedade como uma ocorrência fisiológica e normal no mundo natural. A ansiedade é a atitude biológica necessária para a adaptação do organismo a uma nova situação. Em medicina, por exemplo, entende-se a ansiedade como uma ocorrência global, tanto do ponto de vista físico, quanto do ponto de vista emocional.

 

Os nossos órgãos físicos podem ficar “ansiosos”?

 

Claro que sim, uma infecção é a prova disso. Tudo o que seja entendido como uma ameaça é potencialmente gerador de ansiedade. É um fenómeno físico, é um fenómeno emocional. Por isso dizemos que, vista como um todo, a ansiedade é um fenómeno bio-psico-socio-emocional. Da mesma forma que o organismo luta para se adaptar a uma nova situação, a nossa psique também, e adaptação – para o corpo como para a mente –, significa sobreviver. Assim, a ansiedade é um mecanismo indispensável para a manutenção da adaptação à vida, sem a qual não poderíamos sobreviver.

 

 

Apesar da ansiedade favorecer a performance e a adaptação, tal é conseguido até certo ponto. Mais precisamente, até ao ponto em que o nosso organismo atinge um máximo de eficiência. A partir daí, de um determinado ‘ponto excedente’, a ansiedade, ao invés de contribuir para a adaptação, concorrerá exactamente para o contrário, ou seja, para a falência da capacidade adaptativa, e consequentemente, construtiva, criativa, que leve à acção positiva (rima e é verdade!).

 

Quando é que a ansiedade se torna patológica?

 

É neste ponto crítico que reside a “fronteira” que determina se a ansiedade vivida é adaptável, se nos favorece, ou não. Ou seja, se ela nos ajuda ou, precisamente, faz o seu contrário, incapacitando-nos adaptativamente. Podemos correlacionar, em larga escala, a ansiedade com o esgotamento emocional.

 

O esgotamento verifica-se em situações em que “puxámos” demais pela nossa maquinaria natural (corpo e mente) como, irónica e paradoxalmente, quando a mesma máquina corpo-e-mente não nos permite sequer mais agir (note-se, o que não é o mesmo que reagir).

 

Se antigamente as ameaças eram concretas e a pessoa tinha um determinado “objecto” real a combater (fugir ou atacar), localizável no tempo e no espaço, hoje em dia esse objecto de perigo vive dentro de nós. Com os nossos ancestrais, tal como no reino animal, os mecanismos da ansiedade foram desenvolvidos para dar respostas destinadas à sobrevivência diante de perigos concretos e próprios pela luta pela vida (ataques de animais ferozes, guerras tribais, intempéries climáticas, buscas de alimento, luta pelo espaço geográfico, etc.). No ser humano moderno, apesar dessas ameaças concretas não mais existirem dessa forma, o correspondente equipamento biológico continuou a existir, fazendo persistir na nossa natureza a capacidade de reagirmos ansiosamente perante a ameaça.

 

Então, e sem feras, eras glaciares, habitats e caçadas, o que temos hoje a ansiar?

 

Hoje em dia tememos a competitividade social, a segurança social, a competência profissional, a sobrevivência económica, as perspectivas futuras e uma infinidade de outras ameaças ‘abstractas’ mas reais para nós, que, enfim, passaram a equivaler ao mesmo tipo de perigo que ameaçavam os animais, em questões de sobrevivência.

 

 

E a sua ansiedade?

 

Agora nós.

 

Como vamos de ansiedade?

 

A “fronteiras” entre a ansiedade normal e ansiedade patológica estão bem definidas dentro de si?

 

De onde acha que surge essa constante sensação de apreensão, como se algo estivesse sempre para acontecer?

 

Um alerta permanente, uma pressa em ‘saltar’ para outra tarefa sem ter terminado a anterior (ou nem a tendo sequer começado)? O Domingo já o sente como uma pré-Segunda-feira? Ao dormir, já só pensa no que tem a fazer logo que amanhecer?

 

Se sente que não está a fazer alguma coisa que deveria mas nem sabe bem o quê ou como, pondere esta opção: recorra a apoio profissional. Adopte uma postura mais activa no combate às questões ou problemas que o afectam e incomodam, no seu dia-a-dia.

 

A natureza foi generosa para connosco, oferecendo-nos a atitude da ansiedade para favorecer, primordialmente, a nossa adaptação. Porém, não havendo um período suficiente para recuperamos desse esforço psíquico (e consequentemente físico), o qual restabeleceria a saúde, os nossos recursos para fazer face à ansiedade acabam por se esgotar. E esgotar, como o próprio nome indica, é acabar. Um acabar de reservas e recursos.

 

No plano físico, orgânico, o esgotamento traduz-se em alterações significativas nas glândulas adrenais ou supra-renais (adrenalina e cortisol), dificuldades no controle da pressão arterial, alterações do ritmo cardíaco, alterações no sistema imunológico, no controle dos níveis de glicose do sangue, entre muitas outras. Psicologicamente, a ansiedade crónica ou o esgotamento levam a um estado de apatia, de desinteresse, de desânimo e uma espécie de pessimismo em relação a si e em relação à vida.

 

 

Porque é tão importante estabelecermos limites para a ansiedade?

 

Os limites definem quem somos. Eles estabelecem “o que é meu” daquilo que “não é comigo.” Estabelecer limites pessoais ajuda-nos a criar uma noção de propriedade e protecção em relação a nós mesmos.

 

Os limites são a nossa segurança pessoal. E para ter limites, precisamos de ter controlo, de decidir, de optar. É tudo isto que definirá quem é, quem quer ser ou quem não quer ser. O que quer que faça parte da sua realidade, e o que não quer. Ao dizer ” sim” a certos aspectos e “não” a outras coisas eu crio essa vibração, uma frequência, um padrão, moldando assim a verdade da minha vida. Afirmar limites pode parecer assustador de início, sobretudo, para as pessoas que passaram uma vida sem saber como expressar as suas necessidades.

 

 

E por falar em definir limites… não é que eles podem causar ansiedade?

 

Sim! Mas aqui para nós, e não ter esses limites definidos… não provoca ansiedade também?

 

Sara Ferreira – Psicóloga, Psicoterapeuta, Membro Efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses @WeCareOn