Autocompaixão, uma palavra fácil de entender, mas difícil de aplicar! Quando falamos em autocompaixão, falamos na capacidade de desenvolver e manter uma relação saudável connosco próprios. Essa relação saudável pressupõe que somos capazes de sentir empatia pelas nossas dificuldades ou preocupações, motivando-nos com amabilidade ao invés do julgamento e da crítica!
Muitas vezes falamos em ter mais autoestima e esquecemo-nos que o ponto de partida é sempre a forma como nos tratamos a nós mesmos e como nos cuidamos, e isto inclui o nosso discurso interno. Do que adianta fazer até algo por si, como exercício físico, por exemplo, se está constantemente a dizer a si mesmo “Nunca vou ser como eu quero!” ou “Não faço mais do que a minha obrigação!”? Não basta só fazermos por nós, mas acima de tudo é importante a forma como o fazemos. E isto porque aquilo que dizemos a nós mesmos cria um circuito no cérebro que sinaliza uma mensagem para o corpo. Logo, se dizemos “Não fazes mais do que a tua obrigação!”, o corpo recebe uma mensagem de tensão, exigência e desvalorização, sentindo-se mal mesmo estando a fazer algo que à partida nos deveria fazer sentir bem.
Assim, segundo Kristin Neff (2003), a autocompaixão implica estar aberto ao próprio sofrimento, experienciando sentimentos de calor, de cuidado e de compreensão para com o eu, numa atitude de observação curiosa e de compreensão não avaliativa em relação aos próprios erros e inadequações e reconhecer as próprias experiências como parte duma experiência humana comum.
A autocompaixão tem, então, três dimensões gerais:
1 – Autobondade – Ser bondoso, atencioso e empático consigo mesmo, sobretudo quando está com dificuldades ou em sofrimento.
2 – Condição humana comum – Entender que quando estamos em sofrimento tendemos a achar que somos os únicos no mundo com esse problema, mas que essa não é verdade. Não está sozinho nas suas lutas e cada um trava as suas batalhas!
3 – Mindfulness – Modificar a relação que temos com os pensamentos, passando a vê-los como meros pensamentos, frutos da mente, e não como factos. Isso faz com que aceitemos que os pensamentos vêm e vão, sem mergulharmos numa história de pensamentos que passa a ser a nossa verdade.
Contudo, normalmente quando falamos em atingir resultados, a rigidez e exigência em forma de crítica parecem ser o nosso maior aliado para o sucesso. Ainda nos vão ensinando que temos que ser duros connosco próprios para conseguirmos alguma coisa na vida. Identifica-se com estes pensamentos?
– Prefiro esperar o pior, assim se correr mal já estou preparado!
– Eu não vou lá com “falinhas mansas”, tem que ter objetivos claros e ser tudo feito a tempo e horas!
– Se eu sou demasiado simpático comigo parece que me estou constantemente a desculpar por não fazer as coisas!
Estes são alguns exemplos de formas de pensar de alguém para quem a autocompaixão não faz parte do funcionamento do dia-a-dia. Provavelmente sente que se tem saído bem com esta forma de pensar, pois vai atingindo os seus objetivos. Mas e depois? Quando os atinge como é que se sente? Satisfeito ou parece que falta qualquer coisa? Ou então, por outro lado, tem tanto medo de falhar que vai adiando as suas tarefas? Acabando por se sentir ainda mais fracassado? Pois bem, normalmente estes são os sinais de alerta em relação a um bem-estar comprometido pelo julgamento e crítica constantes:
– Sente-se constantemente ansioso com receio de não conseguir fazer as coisas a tempo ou da melhor maneira;
– Tem dificuldade em concentrar-se porque os pensamentos e as dúvidas são constantes;
– Não reconhece ou não acredita num elogio que lhe é feito;
– Quando atinge um resultado, não se lembra sequer do que passou nem valoriza muito. Já só pensa no próximo objetivo.
Como pode então a autocrítica causar danos?
Digamos que é como se tivesse alguém austero ao seu lado a mandar constantemente em si e a chamar-lhe nomes! E se isso já é horrível, ainda é pior por ser dentro da sua cabeça, pois é a toda a hora, sem parar e sem filtro! O resultado até pode ser atingido, mas a forma como cumpre essa ordem é significativamente tensa, sob pressão, provocando falta de autoestima, ansiedade, angústia e até depressão.
Deste modo, a autocrítica pode até permitir atingir resultados, mas tem o potencial de causar danos sérios na nossa vida, sobretudo no que diz respeito à imagem que temos de nós mesmos, assim como aos nossos níveis de bem-estar. Passamos a ter muito medo do fracasso e perdemos a confiança em nós mesmos! Isto faz com que, muitas vezes, passemos até a ser mestres na sabotagem, porque preferimos adiar, procrastinar ou mesmo desistir, do que enfrentar e estar em contacto com esta pessoa austera que nos esmaga o coração.
Resultado? Ainda nos criticamos mais porque não fizemos ou não conseguimos!
É como que um círculo vicioso:
Círculo vicioso de sabotagem:
Círculo vicioso de ansiedade/ angústia:
Assim, trazendo novamente a autocompaixão à nossa conversa (que é para isso que cá estamos!), é muito provável que consiga na mesma atingir os resultados que pretende, mas com um tipo de ordem diferente! Com isso ganhará autoestima e acima de tudo bem-estar! Ainda assim, poderá estar a pensar “Isso é tudo muito lindo, mas eu já sei que se sou brando comigo, não vou fazer nada!”.
Pois bem, importa então clarificar que autocompaixão é diferente de desresponsabilização ou pena de si próprio.
Quais as diferenças?
Autocompaixão | Desresponsabilização ou pena de si próprio |
Sei que tenho mais dificuldade nesta matéria, então vou pedir ajuda à Ana para me sentir mais confiante.
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Não tenho jeito nenhum para isto, por isso não vale a pena! |
Quando me apontam uma crítica sei que automaticamente me vou culpar. Preciso então de respirar, acalmar, para depois ver com mais clareza o que posso mudar.
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Sou sempre a mesma coisa, nunca gostam do que faço ou do que digo! |
Tenho pouco tempo e fico stressado com isso, não tem mal! Vou tentar alterar algumas coisas no ambiente em que estou para que consiga acalmar este stress.
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Tenho pouco tempo e por isso não vou fazer! Mandassem-me fazer isto mais cedo! |
Repare que num discurso de autocompaixão, a pessoa conhece e aceita as suas dificuldades, assim como as suas necessidades, posicionando-se de uma forma atenta e cuidadosa em relação a isso. Isso não significa que deixe de fazer ou sentir o que quer que seja, mas antes que arranja condições para contornar as dificuldades e diminuir o sofrimento. Por isso a autocompaixão está fortemente associada a um maior bem-estar, diminuindo os níveis de ansiedade e depressão, assim como capacita-nos para uma regulação emocional eficaz.
O que é então preciso para ter mais autocompaixão?
- Conheça as suas dificuldades e aceite-as, empatizando com o seu próprio sofrimento. Mais do que se obrigar a fazer diferente no dia seguinte ou culpabilizar-se porque é sempre a mesma coisa, vale a pena entender o que está na base das suas dificuldades. A partir daí, interessa aceitar essas dificuldades, conhecer as suas necessidades e modificar o comportamento com base nas mesmas. Só conseguimos regular aquilo que conhecemos e as emoções sinalizam sempre necessidades! Do que adianta dizer que amanhã é que vai comer melhor se, por exemplo, ainda não percebeu ou não aceitou que quando está nervoso se refugia na comida? Reconhecendo isso pode, por exemplo, arranjar estratégias saudáveis para lidar com o nervosismo, ao invés de tapá-lo com a comida!
- Fale consigo como costuma falar com quem realmente gosta. Quando alguém próximo de si está em sofrimento, o que faz? Critica? Normalmente põe-se no lugar dessa pessoa, tenta contextualizar e motivar de uma forma cuidadosa, focando-se também nos recursos da outra pessoa. A isso se chama cuidar e gostar do outro, algo que também pode e deve fazer consigo mesmo. Experimente escrever para si mesmo, todos os dias, sobre as dificuldades que sentiu no dia, aceitando-as e dando a si mesmo força para contorná-las. Isso vai fazer com que tome mais contacto com as suas fragilidades, não tendo medo delas.
- Tire um tempo para observar como fala consigo próprio. Estamos tão habituados a ouvir-nos que, sem querer, nem nos ouvimos (no sentido das coisas duras que dizemos a nós próprios). Mas a verdade é que o que vamos dizendo a nós próprios vai tendo impacto na forma como nos sentimos. Coloque-se na posição de observador em relação a si mesmo e esteja atento àquilo que diz quando está a tentar fazer uma tarefa ou quando está a conversar com alguém. Que rádio toca habitualmente na sua cabeça? É que se está constantemente a dizer “És mesmo burro!” quando está a tentar estudar um assunto, é normal que se sinta tenso e que tenha dificuldades em concentrar-se, e que, no final, quando até tiver percebido do assunto se sabote e diga “não fizeste mais do que a tua obrigação!”.
- Conheça e reconheça os seus limites. Como qualquer ser humano, por mais forte que seja, tem limites! Conhecer os nossos limite-nos permite-nos guiar o nosso comportamento e o nosso dia-a-dia em função do nosso bem-estar, não nos deixando cair em exaustão e desespero. Aquilo que é fácil para uns, pode não ser assim tão fácil para outros. Expresse mais os seus limites, pois está a valorizar-se e a fazer com que os outros o valorizem também.
- Coloque o autocuidado como prioridade. Esta parece cliché, mas a verdade é que quando incluímos na nossa rotina comportamentos de autocuidado, o nosso corpo vai recebendo uma mensagem de afeto e de que valemos a pena. Exercício físico, meditar, cuidar da pele, fazer por dormir bem, alimentação correta são alguns desses exemplos.
- Pratique a gratidão. Desenvolver o hábito de agradecer, das coisas mais simples às mais complexas, é uma forma de nos fazer olhar mais para o positivo e também reforçar aquilo que temos e que conquistámos.
- Lembre-se que um gesto físico para consigo mesmo também faz diferença. É bom receber abraços dos outros, mas também o é conseguirmos dar esse abraço a nós mesmos. Segundo Neff, os gestos físicos calorosos para connosco têm um efeito imediatamente relaxante sobre o nosso corpo, pois ativam o sistema parassimpático (parte do sistema nervoso responsável por nos acalmar). Então, abrace-se a si mesmo, coloque uma mão por cima da outra ou simplesmente coloque as mãos no coração.
- Substitua as frases críticas por frases compassivas. Crie um modo alerta, em que cada vez que repara numa frase mais crítica para consigo, a substitui por uma frase mais cuidadosa e atenciosa. Ajuda se tiver algumas frases de bolso, como “O sofrimento faz parte da vida!”, “Estou a dar o meu melhor!”, “Que eu possa ser atencioso comigo mesmo neste momento”, “É natural estares cansado, já exigiste muito de ti hoje!”. Encontre as frases que melhor encaixam consigo.
Eu estou aqui para si, se assim o entender.