Reconhecer os nossos sentimentos durante os momentos mais difíceis pode ajudar-nos a ganhar perspectiva.

 

Muitas vezes, o stress que uma pessoa sente é gerado pelo medo, mas também pode vir de sentimentos de estar isolado, preso ou desamparado. Como tal, “cuidar de si” também pode envolver uma dimensão criativa que facilita colocar as emoções em pauta.

 

Aqui seguem quatro razões, validadas pela ciência, para se iniciar no registo de um diário ou iniciar um livro de anotações, como uma boa estratégia de enfrentamento durante estes tempos de pandemia.

 

1⃣ Escrever pode ajudá-lo(a) a colocar as suas frustrações no papel e tentar lidar com elas.

2⃣ Escrever pode ser uma oportunidade para ‘fotografar’ os seus sentimentos (ao imprimi-los no papel, eles de alguma forma saem de si…!)

3⃣ A escrita apresenta um senso de continuidade, de modo que cada dia tenha um começo, meio e fim distintos, em vez de se misturar ao próximo.

4⃣ Escrever pode ajudar a trazer à tona emoções reprimidas, o que pode explicar o motivo de você poder sentir raiva, vontade de chorar ou ansiedade.

 

Para começar, pergunte-se a si mesmo(a): “O que estou a sentir agora?”

 

Expresse a emoção ou a variedade de emoções no papel. E depois explore por que motivo se está a sentir como se sente.

 

Eis o desafio: encontre algo positivo em qualquer situação. Comece por expressar gratidão por uma simples coisa que tenha acontecido ao longo do dia. Gratidão como cliché “new age” dos tempos actuais? Não. Gratidão como uma prática (cientificamente comprovada) de aumentar os seus níveis de felicidade e bem-estar.

 

O processo de escrita é uma maneira de auto-observar os nossos sentimentos e pensamentos, “agarrá-los” e movê-los de um lado para o outro (ou, literalmente, de uma para outra página!). Ao fazer isso, temos a oportunidade de explorar esses sentimentos. É como fotografar uma sala de diferentes ângulos. O mesmo espaço parece diferente dependendo dos nossos pontos de vista.

 

Deixe a escrita transformá-lo(a) e ajudá-lo(a) com os desafios que você está a enfrentar. E seja grato (sim, exactamente!) por poder ouvir a voz que surge de dentro de si para ajudá-lo(a) a obter uma certa paz mental.

 

Os seres humanos são uma espécie social, o que significa compartilhar os pensamentos, sentimentos e experiências. O sucesso da conexão social envolve a capacidade de compartilhar emoções tanto positivas como negativas. Durante a crise, é mais do que natural sentirmo-nos confortáveis em partilhar os nossos medos e receber feedback calmo e objectivo de outras pessoas.

 

Porém, umas das perguntas que se coloca é: o quanto “eu” posso “descarregar” sem ser o tipo de pessoa que toda a gente evita? Ou, como dizem no país irmão, sem ser aquela pessoa “rezingona”…?

 

Para responder a esta pergunta, considere o que nós e os outros obtemos dessa comunicação. O resultado imediato é que nos sentimos menos preocupados ou tristes e eventualmente até podemos sentir algum tipo de apoio? Ou as duas partes ficam emocionalmente esgotadas e a sentirem-se ainda piores?

 

Desabafar os nossos medos e preocupações pode ser benéfico. Ao compartilharmos os nossos sentimentos com os outros, apenas o acto de verbalizar esses sentimentos reduzirá a sua intensidade. Neste sentido, a descarga emocional pode trazer benefícios. Os outros podem fornecer-nos apoio e cuidados e aliviar os sentimentos negativos.

 

E podemos fazer o mesmo por eles. Aprendemos que não estamos sozinhos nisto, quando ouvimos que os outros também estão a passar por estes sentimentos. E, para além disso, podemos aprender com os outros como é que eles lidam com a sua frustração ou com o seu medo, e isso pode ajudar-nos a adoptar esses métodos na nossa vida.

 

Saiba, contudo, quando (re)conhecer os limites. O “desabafo” no sentido daquilo que é mais parecido com uma lamúria ou um queixume não deve tornar-se um hábito. No final do dia, isso não irá resolver o problema. Aqui deixo algumas sugestões sobre quando parar de compartilhar emoções negativas:

– Quando a reclamação se torna o principal estilo de enfrentamento e, principalmente, quando adia a acção necessária de adaptação. Desabafar sobre o stress de ter as crianças em idade escolar em casa não cuidará da sua educação.

 

– Se ao compartilhar com os outros as suas inquietações percebe que os ‘stressa’. É no mínimo injusto uma pessoa sentir-se melhor à custa da sanidade dos outros. Quando as pessoas começam a evitá-lo em resposta aos seus “desabafos”, significa basicamente que você as está a ‘stressar’.

 

– Quando a reclamação não atinge o objectivo de se sentir melhor, e “eu” ou os outros ao meu redor sentimo-nos piores. Não desabafe apenas com o objectivo de reclamar. A sua mente é como o seu estômago: se você lhe der boa comida, ficará saudável e feliz. Se você continuar a alimentá-lo de lixo, ficará doente.

 

– As crianças não têm de estar lá para ouvir as nossas lamúrias, e não é função delas acalmar-nos ou “ajudar-nos”. Ser o “””psicólogo””” dos pais pode ter efeitos negativos a longo prazo sobre as crianças, para além de que no mínimo aprendem a utilizar a queixa como o seu principal estilo de enfrentamento.

 

– Quando sentir sinais de depressão clínica (humor deprimido, baixa de energia, falta de apetite ou aumento de apetite, insónia, baixa concentração, entre outros), converse com o seu médico para ver se você precisa de cuidados profissionais além de apenas um ouvido.

 

Finalmente, saiba que isto também passará. A ciência vai acabar por controlar a pandemia. Somos uma espécie muito resistente e que já existe há milhões e milhões de anos. Lembre-se que podemos sobreviver a isto tudo com sabedoria.

 

Sara Ferreira

Psicóloga Clínica, Psicoterapeuta, Membro Efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses