O SNS 24 dita que “a realização de funerais está condicionada à adoção de medidas que garantam a inexistência de aglomerados de pessoas e o controlo das distâncias de segurança…”. O luto é agora diferente.

Durante a pandemia para além do reduzido número de pessoas permitido nos funerais, os velórios e as cerimónias foram proibidos.  Para muitos esta interrupção nos rituais de despedida, apesar de estar a diminuir o risco de contaminação do vírus, é um peso muito grande.

No geral, os caixões são selados e os familiares não têm direito a ver o falecido uma última vez. Portanto, não podemos contar com um último contacto, um último aperto de mão, ou uma caricia na face.

 

Mas afinal, o que é que parece estar a acontecer durante a fase da pandemia?

 

A alteração dos rituais fúnebres devido à pandemia, fez com que o processo de luto se alterasse, dificultando, de certa forma, a elaboração da perda. As novas regras e condições podem mesmo implicar uma intensificação do sofrimento das pessoas e uma maior dificuldade na adaptação ao dia-a-dia sem o falecido.

Os rituais funcionam como atos simbólicos que permitem à família expressar a dor e o sofrimento associado à perda. Desta forma, o luto inicia-se, geralmente a partir da saudável organização das nossas emoções, depois de ultrapassado o, muitas vezes, choque inicial. No entanto, como atualmente somos impedidos de mostrar afeto, da forma mais humana que conhecemos até hoje, através do toque, dos abraços, esta nova realidade acaba por ter um impacto negativo nos familiares do falecido.

Apesar das limitações exigidas pelo Governo, isso não impede que os enlutados expressem a sua tristeza. É essencial que continue a exprimir a mágoa sentida, a raiva, a culpa, a indignação, e que chore nos momentos que lhe fazem sentido a si.

 

As despedidas são importantes?

 

Quando perdemos alguém, temos inevitavelmente de nos adaptar a um novo papel social, de aceitar a ideia da incerteza do futuro. Por si só, isto é um desafio.

Por outro lado, à perda e ao luto está muitas vezes associada a “sensação de vazio”, sendo que esta sensação se amplifica em contexto de isolamento, como é o caso na atualidade. No luto, a despedida promove a aceitação da perda e, por ser um ato conjunto, permite que o sofrimento seja partilhado e acolhido pelos que amamos. Neste sentido, os rituais fúnebres desempenham um papel de grande importância.

 

E porque é que é um problema não podermos ver os nossos familiares uma última vez?

 

“Porque é que eu não pude dizer “adeus”?”… Pois bem, pergunto-me o mesmo todos os dias.

Apesar de muitos profissionais de saúde e dos auxiliares dos lares fazerem um esforço enorme para manter os utentes em contacto com as famílias através de videochamadas ou chamadas de voz, a culpa do não poder estar lá é constante. A verdade, é que sentimos que os nossos familiares estão sozinhos. Ainda assim, são estas as ferramentas que, de momento, temos para “cuidar” do outro.

“Será que o(a) vou voltar a ver?”… “Só mais um Natal.” … “Só mais um aniversário”. É tudo o que pedimos, um último adeus, uma última caricia, um abraço apertado e um “adoro-te”. Mas, em vez disso, ficamos com a sensação de que “algo nos foi tirado”.

 

Provavelmente já se questionou vezes e vezes sem conta: Como é que vou conseguir lidar com esta situação tão atípica? Como é que vou suportar a saudade?

 

Se antes cada um lidava com o luto à sua maneira, hoje isso ainda se aplica mais. Não existem soluções certas e erradas. Cabe a cada um de nós perceber quando estamos a ultrapassar o limite do aceitável, do sofrimento máximo.

É importante dar tempo ao tempo! Estamos a viver uma situação atípica, onde até a própria perda é sentida de forma diferente. Vai sentir-se como se estivesse numa montanha russa durante um período, vai ter de encaixar em si estas novas emoções e de reaprender a expressar-se tendo em conta a perda. A duração do luto varia de pessoa para pessoa e pode durar tanto meses como anos. Mas lembre-se, tem direito a estar triste e até mesmo zangado e a tirar uma licença do trabalho (para saber mais sobre processo de luto, veja aqui).

 

Como pode ajudar-se?

 

– Lembre-se de que os seus sentimentos são sempre válidos! Falar acerca do que está a sentir e partilhar memórias que tem da outra pessoa pode ajudar.

– Faça pausas regulares e dê-se tempo para recuperar.

– Estabeleça uma rotina diária que o permita relaxar e distrair, mas com os horários habituais do acordar, do vestir, das refeições e do deitar. Pode ver um filme, uma série ou ler um livro. Também pode dedicar-se ao trabalho, uma vez que para algumas pessoas isso parece ajudar, mas não o faça em demasia.

– Mantenha um contacto regular com a tua família e com os teus amigos. Use o telemóvel enquanto não pode estar fisicamente com mais ninguém.

– Desligue durante um bocado as notícias e as redes sociais se sentir que o começam a perturbar.

– Tente apanhar ar fresco e luz solar todos os dias. Pode fazê-lo no jardim, na varanda ou à janela.

– E por último, mas não menos importante, crie o seu próprio ritual de despedida, algo simbólico e privado. Pode por exemplo, escrever uma carta ou fazer um vídeo. Também pode plantar uma árvore, ou escolher um acessório, como um colar, para andar sempre consigo. Faça o que lhe fizer mais sentido, não force e deixe que a despedida surja naturalmente.

 

Não sabe como ajudar uma pessoa enlutada?

 

A resposta nunca é simples. Penso que o melhor conselho que tenho para dar é este: cuide dela, preste atenção às flutuações emocionais, dê-lhe espaço e tempo.

Nunca minimize o sofrimento que ela ou ele poderão estar a sentir. Se não pode estar junto dessa pessoa, devido à pandemia, ligue-lhe, mande-lhe mensagens, mostre que pode estar presente quando ela precisar, que não vai estar sozinha e que pode expressar-se abertamente.

 

Acredito que chegará aquele momento no luto em que em vez das lágrimas, lhe surge um sorriso na face em memória da pessoa que perdeu. É na saudade que os vamos conseguir encontrar e é naquela recordação tola que vamos encontrar de novo o riso. Poderá não ser uma caminhada confortável e, muito provavelmente, não será feita em linha reta, mas será o processo de luto que para si fará mais sentido.

 

Respire fundo. E outra vez.

 

 

Filipa Cruz –  Psicóloga Clínica @ WeCareOn, Membro da Ordem dos Psicólogos Portugueses