— “Dra. Sara, eu não sei como será o ano de 2021”, dizem-me as pessoas, expressando o que neste momento corresponde a uma das maiores (e comuns) preocupações, em consultório.

— “Certo, mas e… sabe dizer-me como é que você quer ser em 2021?”, porque na verdade, deixe-me dizer-lhe é “só” isso que importa.

 

Percebe a diferença entre “como será 2021?” e “como EU SEREI em 2021”?

 

Caríssimo(a), afinal de contas, diga-me cá:

Qual é a pergunta mais sensata?

Qual é a pergunta mais coerente?

 O que é que realmente está ao “meu” alcance: como será o ano de 2021 ou como EU serei em 2021? Sim, no matter what… Sobre isso você pode escolher. E agir.

Não sei quanto a si, mas para mim, genuinamente, umas das maiores lições de 2020 foi esta: tudo pode mudar a todo o instante. E por isso, a melhor bússola que pode existir é o SENTIDO que damos à nossa existência. E note que isso do “sentido de vida” é um mapa existencial particular, único e intransferível, pessoal e intransmissível.

Qual é o seu mapa?

 

Não deixe este começo de novo ano sem resposta a essa pergunta: que SENTIDO você quer dar à sua vida?

Uma dica: os sentidos que damos à vida podem mudar e isso não é um problema. Problema é não ter, não ver ou não sentir sentido algum na própria vida.

Nós, seres humanos, somos mais do que apenas máquinas biológicas determinadas por programações genéticas e responsivas a contingências ambientais. Também somos escolhas, interpretações, narrativas, perspectivas, leituras, versões e pontos de vista. Somos o que recebemos mas também, e sobretudo, aquilo que construímos por cima disso.

“Somos pontos de vista?”… Sim, também somos “pontos de vista” — e, do ponto de vista em que me encontro, e em que tantas outras pessoas se encontram, no “alto” deste “Evereste” que foi 2020 para muita gente, sei, sabemos cada vez mais, o que queremos e o que não queremos para as nossas vidas.

Caberá a cada um(a) realizar-se, no duplo sentido da palavra (“realizar” enquanto consciencializar-se; e “realizar” enquanto tomada de acção) e talvez só a partir daqui, deste ponto, individual e colectivo, possamos começar a pensar no que é que significa isso de se dizer “vamos todos ficar bem”.

“Ficar bem” não significa apenas não ter desafios, sejam eles quais forem, ou ser apenas um(a) cumpridor(a) de tarefas e rotinas, ser um(a) trabalhador(a) exemplar ou um(a) contribuinte com as suas obrigações fiscais todas em dia.

 

“Ficar bem” tem mais que ver com “conhecer-se a si mesmo(a)”, “crescer no meio da adversidade”, “adquirir resiliência” e “transformar-se em quem se é”.

 

Ou seja: tem mais a ver com auto-conhecimento, auto-estima, auto-confiança, autonomia, auto-respeito, auto-determinação e outras formas de auto-mestria.

Oh! E saber eu que existem Tesouros solares e no entanto tão aterradoramente nocturnos dentro de cada ser… Uma vez mais, volto ao atemporal “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses” (mensagem muito antiga, escrita há muito tempo atrás na fachada do Templo de Delfos). O Homem que se desconhece a si mesmo, e que não sabe como gerir da melhor forma os seus recursos mentais e emocionais, estará sempre à mercê de do que lhe “acontece”, vivendo essencialmente na defensiva ou apenas em “reacção” ao que ocorre dentro ou fora de si mesmo.

Considere começar a descobrir quais são os “óculos” que você tem usado para se interpretar a si mesmo, aos outros, à vida e ao mundo. As lentes que usamos determinam as nossas escolhas, atitudes, acções, resultados e remetem-nos inclusive a manifestações corpóreas / psicossomáticas. A partir do momento em que você identificar os padrões que utiliza, conseguirá ter maior consciência de si mesmo e dos outros.

Está na hora de você ter a coragem de se ouvir, de se olhar, de ‘bancar’ a sua naturalidade, os seus sentimentos, pensamentos e vontades. É sempre hora de uma pessoa crescer emocionalmente, desenvolver-se psicologicamente. Os tempos actuais estão como que a pedir-nos para que nos libertemos de certos moldes, máscaras e enganos, pois este é um tempo de e para Ser.

Em certa medida, desaprender para aprender de novo. Desencaixotar emoções, recuperar sentidos. E, no fim do dia / no fim da vida / no fim de contas (!), poder dizer: “Eu Sou Eu” / “Eu Fui Eu”.

 

Quando chegamos a estas condições, “como” será o “amanhã” não é tudo o que importa. Importa, sobretudo, “quem” SEREMOS e “o que” SENTIREMOS naquilo a que chamamos de Amanhã.

 

2020 trouxe para muitos de nós esse entendimento — resta-nos, agora, ajustar-nos, cada um(a) à sua maneira, à (des)ilusão em que, em determinados aspectos, sempre vivemos. Tanto a um nível micro como de macro escalas, os próximos tempos serão determinantes para as questões de amadurecimento. No fundo, o maior desafio para o qual todos nascemos…

 

 

Sara Ferreira  Psicóloga Clínica, Psicoterapeuta, Membro Efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses