Neste artigo abordam-se algumas questões relacionadas com a ideação suicida e o comportamento suicida. As tentativas de suicídio, o para-suicídio e o suicídio.

 

Estas situações de crise, têm elevada prevalência na adolescência, e podem ser abordadas em diversos contextos da prática clínica, psicologia, psiquiatria, serviço de urgência, consulta de ambulatório e cuidados primários de saúde.

 

Uma análise sobre literatura específica em Suicidologia, refere que, o comportamento suicida inclui três categorias:

  • Ideação suicida;
  • Tentativa de suicídio;
  • E suicídio consumado.

 

Será feita uma explanação de conceitos e uma reflexão sobre a dimensão do comportamento suicida. Possíveis causas ou fatores/indicadores de risco. Realçando e reconhecendo também, quais os fatores ou indicadores de proteção e promoção da saúde mental.

 

Epidemiologia e Prevalência

 

Segundo dados fornecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002), estima-se que um milhão de pessoas em todo mundo cometeram o suicídio no ano 2000. À escala mundial, a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio.

 

O suicídio constitui um grave problema de saúde pública. Está entre as dez principais causas de morte na população mundial em todas as faixas etárias. E representa também a terceira causa de morte em jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 35 anos. Nos últimos 45 anos os índices de suicídio aumentaram 60% em todo mundo.

 

Na maioria dos países Europeus, o suicídio representa a segunda causa de morte de jovens entre os 15 e os 24 anos, depois dos acidentes de viação. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2008), Portugal também tem registado um aumento significativo das taxas de suicídio, desde a viragem do milénio. As taxas globais de suicídio passaram de 5,1 por mil habitantes, em 2000, para os 9,8/100.000 habitantes, em 2008.

 

Em Portugal, verifica-se que as taxas de suicídio aumentam com a idade. Sendo as mortes por suicídio mais frequentes na idade adulta, sobretudo no homem a partir dos 65 anos. As tentativas de suicídio são, em contrapartida, muito mais comuns na adolescência, sendo mais frequentes nas raparigas. Um estudo realizado em Portugal (Oliveira, Amâncio e Sampaio, 2001) com adolescentes estudantes das escolas secundárias de Lisboa, com idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos, cerca de 7% afirmaram já ter feito um ou mais tentativas de suicídio.

 

Tipos de comportamentos suicidas

A ideação suicida refere-se a pensamentos, ideias, planeamento e desejo de se matar. Destaca-se como um dos principais preditores de risco suicida. Sendo utilizado em muitas pesquisas para estimar a presença de um processo suicida.

 

A pessoa pode ocultar os pensamentos suicidas, por diversas razões, como motivações religiosas, culturais, entre outras. A negação ou encobrimento da ideação suicida é grave fator de risco. Além disso, a ideação suicida pode ser passiva e inespecífica, ou ativa com intenção de morte e/ou plano até à tentativa de suicídio e o suicídio consumado.

Tentativa de suicídio representa todo o ato ou gesto não fatal, autoinfligido e autodestrutivo. Associado a intenção de morrer explícita ou implícita.

 

Suicídio consumado é a morte provocada por um ato levado a cabo pelo indivíduo com intenção de pôr termo à vida. Constitui um grave problema de saúde pública e refere-se a todas as mortes autoinfligidas, de forma voluntária.

 

O suicídio é visto como um ato em que o indivíduo coloca a sua vida em perigo e resulta em morte.

 

O ato de suicídio tem uma explicação complexa e multifatorial. Pois resulta da conjugação de diversos fatores biológicos, psicológicos e sociais. A intencionalidade deste ato, inclui, a intencionalidade de natureza psicopatológica (e.g. precipitação no vazio de esquizofrénico delirante e alucinado, obedecendo a vozes de comando).

 

Para-suicídio refere-se a um ato ou comportamento não fatal eventualmente não habitual num determinado indivíduo. Em que este não tem clara intenção de morrer, mas no qual se arrisca a causar danos a si próprio (mais ou menos graves) caso não exista a intervenção de outrem. Pode ocorrer na sequência de ingestão excessiva de determinadas substâncias com o intuito de provocar alterações desejadas.

 

No para-suicídio estão incluídos os comportamentos autolesivos ou de automutilação, no sentido de provocar um auto-dano deliberado, sem intenção de morte.

 

Comportamentos autolesivos (cal) – o auto-dano deliberado é um comportamento direto que causa uma ligeira a moderada lesão física. Realizada sem intenção suicida consciente, e que ocorre na ausência de psicoses e/ou incapacidade intelectual organicamente determinada. A figura 1 ajuda-nos a perceber o que é ou não considerado auto-dano deliberado.

 

Algoritmo diferencial de auto-dano deliberado.
Algoritmo diferencial de auto-dano deliberado.

 

Fonte: Adaptado de Mangnall e Yurkovich, 2008 apud Nunes, 2013, p.25.

 

 

Exemplos de comportamentos autolesivos:

  • Cortar-se;
  • Queimar-se;
  • Saltar de um local relativamente elevado;
  • Ingerir fármacos em doses superiores às posologias terapêuticas reconhecidas;
  • Ingerir uma droga ilícita ou substância psicoativa com propósito autoagressivo;
  • Ingerir uma substância ou objeto não ingerível (e.g. lixívia, detergente, lâminas ou pregos).

 

Os comportamentos autolesivos incluem comportamentos impulsivos potencialmente perigosos. Como consumo excessivo de álcool e atividade sexual de alto risco. São frequentes em pessoas com Perturbação da Personalidade Borderline (PPB). Estes geralmente apresentam: ‘cortes’ no corpo (80%), 24% ‘equimoses’, 20% ‘queimaduras’, 15% ‘bater com a cabeça’ e 7% ‘mordedura’.

 

A dor proveniente do auto-dano traz alívio ao individuo em estado disfórico (apresenta mal-estar, tristeza, angústia…). Mas não é o principal objetivo, é, nestes casos, de Borderline, frequentemente, uma forma de punição em que o indivíduo obtém alívio de um estado intolerável de sofrimento interior (psíquico) que pode incluir intensa vergonha, remorso, culpa, convicção de maldade e alienação. Nota: Cerca de 50% dos indivíduos com Borderline referem ausência de dor durante os episódios de auto-dano.

 

Evolução do conceito de morte

 

O conceito de morte é objeto de um processo evolutivo ao longo da vida da criança e do adolescente. Na infância, a morte é concebida como uma cessação, uma partida, uma separação, uma ausência temporária e reversível. Vários autores, sugerem que a irreversibilidade da morte é adquirida por volta dos 8 anos.

 

Contudo, sabe-se que a construção do conceito de morte esta dependente das experiências de vida. Pelo que as crianças pequenas confrontadas com experiências de iminência da sua própria morte (ex. no contesto de uma doença letal) ou de um trabalho interno de luto precoce, podem adquirir esta noção de irreversibilidade da morte, muito mais cedo.

 

 

Na adolescência ocorre uma idealização do conceito de morte, que pode representar algo de mágico, de irreal e não permanente. Ao negar a irreversibilidade da morte, o adolescente pode tentar o suicídio como forma de passagem para um estado mais pacifico ou de menor tensão, menor sofrimento.

 

Comportamento suicida na adolescência

 

A adolescência é considerada uma etapa de desenvolvimento biopsicossocial, situada entre a infância e a idade adulta. Onde o indivíduo sofre mudanças corporais e se adapta a novas estruturas ambientais e psicológicas. É, assim, uma etapa de transição e transformações físicas, psíquicas, afetivas e sociais. Onde o jovem precisará reestruturar o seu corpo, agora sexuado, a sua identidade psíquica e o seu meio.

 

Sendo um período de desenvolvimento humano, é na adolescência que os jovens desenham a sua identidade, escolhem o que querem fazer profissionalmente e preparam o seu projeto de vida precisamente quando os sentimentos sexuais, agressivos e os conflitos estão no seu máximo. Nesta fase, há a tentativa de construção de autonomia em relação à família e a construção de um self (eu) integrado que conduza a uma identidade que marca o final da adolescência.

 

Assim, a adolescência é muitas vezes, mas não obrigatoriamente, uma fase intensa, de transformações e de conflitos, em que o jovem pode enveredar por comportamentos agressivos, impulsivos ou mesmo suicidas, como solução para os seus problemas e sofrimento psíquico.

 

As adolescências patológicas traduzem-se por falta de esperança e incapacidade para conseguir um sentido para:
  • Lidar com as emoções;
  • Organizar um sentido de pertença e;
  • Manter um sentimento sustentado de bem-estar.

 

A transição para a vida adulta, acarreta no adolescente a necessidade de renúncia e perda, um trabalho psíquico de luto (do corpo infantil, das imagens parentais idealizadas, do papel infantil e dependente, etc.). Podendo emergir diversas ameaças: ansiosa (relacionada à emergência pubertária, à transformação do corpo e flutuação da identidade) e a depressiva (que resulta do trabalho interno de luto e perda, do adeus à infância, afastamento dos pais e imagens idealizadas destes).

 

Deste difícil trabalho intrapsíquico, destaca-se o papel central do corpo, pelo que na gestão das dificuldades e vulnerabilidades inerentes à transição, pode resultar um ataque ao corpo e a tudo que ele representa, em tentativas de suicídio.

 

 

Indicadores de risco 

Os indicadores de risco referem-se à probabilidade de desenvolvimento ou de ocorrência de algum evento indesejável. E dividem-se em fatores predisponentes e fatores desencadeantes.

 

Fatores desencadeantes

No adolescente, os fatores desencadeantes mais frequentes são:

  • Conflitos com os pais;
  • Conflito ou roturas afetivas (rotura de relação amorosa) e;
  • Problemas disciplinares e académicos.

 

Estes acontecimentos precipitam o comportamento suicida no jovem que se encontra em sofrimento e vulnerável pela acumulação de fatores de risco, mas não representam a sua causa. O prognóstico é pior quando não há fator desencadeante ou quando os precipitantes são crónicos e continuados, especialmente no abuso físico ou sexual recorrente.

 

Fatores predisponentes

Os fatores predisponentes subdividem-se em: individuais, familiares, sociais, acontecimentos de vida adversos e disponibilidade de meios letais.

 

Fatores Individuais

Como: idade, género, história prévia de comportamentos suicidas, patologia psiquiátrica, fatores psicológicos, fatores biológicos, orientação sexual, doenças médicas.

 

Idade

As taxas de suicídio e de tentativas de suicídio aumentam com a idade. Apresentando uma maior incidência na fase final da adolescência e adulto jovem. Esta distribuição parece acompanhar a distribuição modal das idades de início das perturbações psiquiátricas que aumentam o risco de comportamento suicida e que tendem a ser mais comuns na fase final da adolescência (depressão major, perturbação bipolar, abuso de substâncias, esquizofrenia, perturbações da personalidade).

 

É raro o suicídio consumado antes da puberdade, sendo um fenómeno universal. Embora a criança possa apresentar ideação suicida, a sua imaturidade cognitiva parece limitar a sua capacidade para planear e executar tentativas de suicídio letais.

 

Os comportamentos suicidários na infância, ainda que raros, podem assumir a forma de equivalentes suicidários como: passagens ao acto, exposição a situações de risco e com elevado índice de gravidade (e.g. atirar-se para a estrada, defenestração, afogamento, ingestão de produtos domésticos). Nestes casos, é comum a associação a maus-tratos físicos e/ou sexuais bem como a perturbação das relações intrafamiliares. O início precoce de comportamento suicida antes da puberdade é preditivo de comportamento suicida na adolescência.

 

Género

A taxa de suicídio consumado é significativa mente mais elevada no sexo masculino. Embora a ideação suicida e as tentativas de suicídio sejam mais comuns no sexo feminino. A maior taxa de suicídio nos rapazes parece estar relacionada com a maior frequência de fatores de risco associados. Nomeadamente abuso de substâncias e comportamento agressivo, com a tendência nos rapazes à utilização de métodos mais violentos e letais, relativamente às raparigas.

 

História prévia de comportamento suicida

A história de tentativa de suicídio (TS) anterior representa um dos fatores preditivos mais fortes para a ocorrência de suicídio, conferindo um risco mais elevado nos rapazes do que nas raparigas. Cerca de 1/3 dos jovens, vítimas de suicídio fizeram uma tentativa de suicídio prévia. Jovens com história prévia de tentativa de suicídio com métodos mais letais – como tentativa de enforcamento, defenestração (atirar-se por uma janela) ou a utilização de arma de fogo – têm um risco especialmente elevado para a ocorrência de suicídio.

 

Contudo, é necessário ter em conta que uma tentativa de suicídio com baixa letalidade não reflete necessariamente uma baixa intencionalidade suicida. Particularmente em crianças, que poderão sobrestimar a letalidade dos meios, sendo importante não minimizar o risco potencial de comportamento suicida futuro.

 

 

Patologia psiquiátrica

Estudos demonstram que mais de 90% dos jovens que cometeram suicídio apresentavam uma perturbação psiquiátrica pré-existente. E que em aproximadamente metade destes, a perturbação psiquiátrica teria estado presente durante 2 ou mais anos.

 

As formas mais comuns de perturbação psiquiátrica encontradas nos suicídios consumados são as perturbações do humor (sobretudo depressão, mas também estados de mania e mistos), e o abuso de substâncias e/ou álcool, particularmente em rapazes com mais de 15 anos. Verifica-se uma elevada prevalência de comorbilidade entre perturbações afetivas e abuso de substâncias.

 

As perturbações disruptivas do comportamento são também comuns nos rapazes, vítimas de suicídio, muitas vezes coexistindo com perturbações do humor, ansiedade e abuso de substâncias. Salientam-se como perturbações psiquiátricas associadas a risco de comportamentos suicidários em jovens, muitas vezes em comorbilidade:

  • Perturbações do humor;
  • Abuso de álcool e substâncias;
  • Perturbações do comportamento (sobretudo de tipo impulsivo/agressivo);
  • Perturbações do comportamento alimentar;
  • Perturbações de ansiedade e perturbações da personalidade (sobretudo a perturbação borderline).

 

Embora a esquizofrenia esteja as sociada taxas elevadas de suicídio, uma vez que se trata de uma condição rara na infância e adolescência, contribui de forma pouco significativa para o suicídio nos adolescentes. Contudo, é importante avaliar a presença de sintomas psicóticos, que aumentam de forma significativa a gravidade do quadro e o risco suicidário a curto termo.

 

Fatores psicológicos

Traços de personalidade e características individuais associados a risco de suicídio incluem:

  • Impulsividade – comportamento impulsivo/agressivo em resposta à frustração;
  • Desesperança – está correlacionada com a intencionalidade prediz risco de tentativa de suicídio e suicídio consumado;
  • Perfeccionismo – traço de personalidade que está associado a tentativa de suicídio em jovens, mas não se encontrou associação com suicídio consumado;
  • Dificuldades ao nível das estratégias de coping e na resolução de problemas interpessoais.

 

Fatores biológicos

Embora a maior parte dos estudos sobre mecanismos neurobiológicos tenha sido conduzido em adultos, a investigação tem vindo a apontar o papel importante das alterações da função da serotonina (neurotransmissor envolvido nas sensações e emoções positivas de bem-estar e bom ânimo) nos comportamentos suicidários, bem como no comportamento agressivo-impulsivo, independentemente do diagnóstico psiquiátrico.

 

Orientação sexual

 

Verifica-se a presença de risco acrescido de tentativa de suicídio em jovens com orientação homossexual e bissexual.

 

A relação entre homossexualidade e suicidalidade pode ser mediada pela coexistência de elevadas taxas de outros fatores de risco suicida nesta população de jovens. Nomeadamente maior risco de rejeição parental e pelos pares, fenómenos de bullying; e maior risco de depressão, abuso de álcool e substâncias.

 

 

Doenças médicas

Condições médicas crónicas específicas, como a diabetes e a epilepsia, foram associadas a risco suicida em populações pediátricas, mesmo após controlo de outros fatores de risco. Essa associação também se verifica em doenças com prejuízo funcional ou lesão física.

 

 

 

Fatores familiares

Como: história familiares de comportamento suicida, psicopatologia parental, outros fatores familiares.

 

História familiares de comportamento suicida

A investigação sugere o envolvimento tanto de mecanismos genéticos como ambientais na transmissão familiar do comportamento suicida e que o comportamento suicida é transmitido em famílias de uma forma distinta da sua associação com doença psiquiátrica familiar.

 

Os familiares de 1º grau de adolescentes que fizeram TS ou que se suicidaram apresentam uma taxa de TS 2 a 6 vezes superior à da população geral, mesmo após controlo para as elevadas taxas de psicopatologia. Por outro lado, a descendência de adultos com perturbação do humor associada a história de TS tem 4 a 5 vezes maior risco de TS, quando comparada com a descendência de adultos com perturbação do humor sem história de TS.

 

 

Psicopatologia parental

Verificaram-se elevadas taxas de psicopatologia parental. Particularmente depressão e abuso de substâncias, associadas a tentativa de suicídio e suicídio consumado na adolescência.

 

Outros fatores familiares

Outros fatores relativos ao contexto e funcionamento familiar que estão associados a risco suicidário em jovens incluem:

  • Ausência ou baixos níveis de comunicação com os pais;
  • Elevados níveis de conflito e violência familiar;
  • Morte ou ausência parental;
  • Maus-tratos no seio familiar;
  • Isolamento da família (jovens em fuga, isolados ou sem casa, muitas vezes associando-se uma história pessoal de maus-tratos);
  • Desvalorização por parte da família de TS anterior do adolescente.

 

Fatores sociais

Como: efeito de imitação/contágio, internet e suicídio, isolamento social.

 

Efeito de imitação/contágio

Sabe-se que suicídio pode ser facilitado em adolescentes vulneráveis pela exposição a situações de suicídio real ou ficcional. Incluindo a forma como os media apresentam noticias de suicídio (a cobertura mediática intensiva do suicídio de uma celebridade) ou a representação ficcional de um suicídio num filme conhecido ou programa televisivo.

 

O risco de suicídio por imitação/contágio é especialmente elevado nos jovens. O fenómeno de “clusters” de suicídio, que envolve um número excessivo de suicídios que ocorrem em estreita proximidade temporal e geográfica, parece estar relacionado com processos de imitação. Os clusters de suicídio geralmente envolvem adolescentes ou jovens adultos previamente perturbados, que tomaram conhecimento da morte por suicídio de outra pessoa, não conhecendo a vítima pessoalmente.

 

Dadas as características deste período de desenvolvimento, os adolescentes são mais suscetíveis a reproduzir e imitar modelos de comportamento do seu grupo ou círculo de influência. Neste âmbito, verificou-se que jovens vulneráveis expostos a comportamento suicida entre os seus pares têm um maior risco de desenvolver comportamentos suicidas imitativos, nomeadamente perante uma situação de stress interpessoal.

 

Internet e suicídio

Mais recentemente, têm sido publicados relatos de casos acerca de cybersuicidas. É necessário ter em atenção o crescimento de sites e fóruns na internet em que é incentivado o suicídio como estratégia de resolução de problemas. Levando a um risco acrescido de comportamento suicida em adolescentes vulneráveis.

 

Existem diferentes sites e fóruns de suicídio na internet: alguns aconselham a procurar a ajuda e fornecem ligações e contatos no sentido do jovem procurar apoio. Contudo, outros sites e fóruns assumem uma mensagem pró-suicídio, fornecendo informações pobre métodos e valorizando positivamente os comportamentos suicidas.

 

Isolamento social 

 Isolamento da rede social de apoio, colegas, amigos, familiares, vizinhos.

 

 

Acontecimentos de vida adversos (Bullying, abuso físico e sexual)

 

Situações de stress, como conflitos ou perdas interpessoais (rotura de relação amorosa ou com o grupo de pares), conflitos familiares, problemas académicos ou disciplinares na escola ou problemas legais, estão associadas a TS e suicídio consumado em jovens.

 

Bullying

 Seja como vítima e/ou agressor, o bullying está associado a aumento do risco de comportamento suicida. Num estudo prospetivo de 2009[1]* que analisou a associação entre bullying na infância e desenvolvimento posterior de comportamentos suicidários na adolescência verificou-se que os rapazes com perfil de agressor-vítima de bullying apresentavam maior risco de comportamento suicida, embora esta associação não se mantivesse quando era feito controlo para psicopatologia; as raparigas vítimas de bullying apresentavam maior risco de comportamentos suicidários, mantendo-se esta associação mesmo após controlo de sintomas de depressão e de problemas do comportamento.

 

Os avanços na tecnologia permitiram o surgimento de novas formas de bullying, como o Cyberbullying pode ocorrer através de mensagens e imagens enviadas através de e-mails, telemóvel ou comentários nas redes sociais (ex: Facebook, Myspace, Twitter), podendo ser promovido por jovens ou adultos. A associação entre cyberbullying e suicídio é uma área que ainda carece de estudos publicados.

 

Abuso físico e sexual

Tanto o abuso físico como o abuso sexual têm uma associação significativa com tentativa de suicídio e suicídio consumado na adolescência. Assim, perante a suspeita de abuso, recomenda-se que seja avaliada a presença de ideação ou comportamentos suicidas atuais ou no passado.

 

Inversamente, uma vez que o risco atribuído é bastante elevado (15 a 20% das raparigas que fazem tentativa de suicídio têm uma história de abuso), quando se avalia uma TS deve-se investigar a ocorrência de antecedentes ou experiências atuais de abuso físico ou sexual. O abuso sexual intrafamiliar, abuso sexual continuado, e a maior gravidade do abuso conferem um risco acrescido de tentativas de suicídio.

 

Disponibilidade de meios letais

A presença de armas de fogo em casa (especialmente nas zonas rurais), e de outros meios letais (pesticidas, cordas, facas, medicamentos). E, por outro lado, a fraca ou inadequada supervisão parental, aumentam o risco de suicídio consumado em jovens.

 

Indicadores de proteção 

 

Os fatores protetores diminuem o risco suicida. Funcionando como uma espécie de ‘barreira’ contra os impulsos suicidas. São fatores que fortalecem as estratégias e competências do individuo para lidar com os problemas/conflitos e ajudam a diminuir a probabilidade para o indivíduo desenvolver comportamento suicida.

 

Esses fatores são:

 

Pessoais

Estilo cognitivo e caraterísticas da personalidade: flexibilidade cognitiva; estratégias de coping eficazes para lidar com problemas, como autoconfiança, boa autoestima; abertura para experiências e soluções de outras pessoas; capacidade para procurar ajuda perante de dificuldades; abertura para aprender; habilidade para comunicar; não exagerar o significado das situações de vida negativas; existência de um projeto de vida com objetivos realistas, entre outros.

 

Ambientais

Ambiente sem drogas e uso construtivo do tempo de lazer, alimentação adequada, bom sono, luz solar.

 

Familiares

Boas relações familiares, baseadas em respeito, confiança e suporte/apoio, padrão vincular seguro. A literatura revela a elevada incidência de problemas de saúde mental entre familiares de pessoas com comportamento suicida.

 

Sociais

Valores e tradições culturais específicos, boa integração social, boas relações com colegas, amigos e vizinhos, participação em atividades desportivas, sociais e religiosas.

 

Abordagem terapêutica

A intervenção na crise suicida requer o envolvimento tanto do sujeito/suicida (jovem ou adulto) como da família e representa um momento determinante na avaliação clínica e na adesão ao processo terapêutico.

 

Destaca-se que, para estimar o risco de suicídio, é necessária uma avaliação minuciosa sobre os indicadores de proteção e sobre os indicadores de risco para comportamento suicida.

 

Afirma-se a necessidade de capacitar os profissionais de saúde para o diagnóstico, e, os profissionais da educação para a deteção dos indicadores de risco. Para o posterior encaminhamento, intervenção clínica e tratamento. Este é um passo importante na prevenção do suicídio. Salienta-se ainda, como elemento de preventivo o reforço dos indicadores de proteção e redução dos indicadores de risco.

 

 

Tratamento

 

Existem diversas abordagens de tratamento.

 

Recomendo as que reconheço como sendo as melhores modalidades terapêuticas e com resultados comprovados na resolução de perturbações emocionais associadas a situações traumáticas (abuso, perda/luto, violência física, emocional ou psicológica, entre outras, que estão geralmente relacionadas aos indicadores de risco para os comportamentos suicidas).

 

Tais como, a Terapia EMDR, e o Brainspotting. Serão sumariamente explanadas por forma a compreender de que se trata e como são aplicadas. Sempre por psicólogos ou psiquiatras especialistas em psicoterapia. Pelo que pode e deve requerer a credenciação (Cédula) do profissional que administra o tratamento.

 

O que é a Terapia EMDR?

 

A terapia EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing) foi desenvolvida por Francine Shapiro (Ph.D.) nos Estados Unidos, em 1987. É ancorada em estudos da neurociência, aprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e recomendada pela American Psychiatric Association (APA), como um tratamento extremamente eficaz para pessoas (crianças ou adultos) que viveram experiências traumáticas.

 

Consiste numa intervenção breve e focalizada no reprocessamento e dessensibilização de memórias passadas relacionadas com o trauma emocional e/ou com a ansiedade. Está indicada para o tratamento de:

 

Também é útil para uma variedade de problemas emocionais, relacionais e comportamentais.

 

O que acontece no cérebro?

A memória traumática permanece inalterada principalmente no hemisfério direito, responsável pela regulação das nossas emoções, não existindo uma comunicação com o hemisfério esquerdo, o responsável pela objetividade e pela racionalidade.

 

Sendo o hemisfério esquerdo que terá as estratégias necessárias para transformar e reatribuir um novo significado à experiência emocional e diminuir a ativação da memória passada, permitindo-lhe permanecer no passado e não no presente.

 

Procedimento da Terapia EMDR

 

A terapia EMDR através da estimulação bilateral ajudará a que esta comunicação entre os hemisférios seja restabelecida. E possa assim ocorrer o reprocessamento e dessensibilização de memórias passadas relacionadas com o trauma emocional e/ou com a ansiedade resultante da experiência emocional traumática.

 

A estimulação bilateral é conseguida através da utilização do movimento alternados dos olhos (estímulo visual), podendo ser alternado com o uso de estímulos sonoros e/ou tácteis.

 

O que é o Brainspotting?

 

É um método de tratamento focalizado. Funciona identificando, processando e libertando fontes neuropsicológicas de dor física e emocional (traumas, dissociações e outros sintomas, tais como os de ansiedade e pânico).

 

O Brainspotting (BSP), foi desenvolvido por David Grand, Ph.D. E funciona como uma ferramenta neurobiológica, chegando a experiências e sintomas que normalmente estão fora do alcance da mente consciente. Simultaneamente é considerado, como uma forma de diagnóstico e de intervenção. O seu efeito é intensificado com o uso de sons bilaterais que oferecem contenção e controlo ao paciente.

 

Trabalha-se com o cérebro profundo e com o corpo através do acesso direto ao Sistema Nervoso Autónomo e Límbico. Como tal Brainspotting é um método de tratamento que tem resultados psicológicos, emocionais e físicos.

 

Como funciona?

Um brainspot (ponto específico no cérebro) é a posição ocular relacionada com a ativação energética e emocional de um tema perturbador. É localizado através da posição ocular, e corresponde a um subsistema fisiológico que armazena a experiência perturbadora em forma de memória.

 

Quando um brainspot é estimulado, o cérebro profundo assinala (mostra) de forma reflexa ao terapeuta que foi localizado uma área significativa. Gestos ou expressões faciais reflexas são exemplo de poderosos indicadores de brainspot.

 

O foco de atenção estimula um processo profundamente integrador e curativo d(n)o cérebro.

 

Quais as vantagens do Brainspotting?

 

Rápida Evolução: observam-se mudanças a partir da primeira sessão de terapia.

Mudança do estado global: devido à sua intervenção focada de consciências trabalha e altera diretamente o sintoma apresentado.

Fisiologia: havendo equilíbrio orgânico (cérebro e corpo), a perceção corporal melhora e são otimizados os recursos corporais.

 

Reconhece a capacidade inata do corpo de se automonitorizar, isto permite o processamento e a libertação de áreas (sistemas) que se encontram em desequilíbrio. Incluindo a possibilidade de reduzir e/ou eliminar a dor física, e a tensão associada a perturbações psíquicas e físicas.

 

Indicações

Pessoas de todas as idades podem usufruir dos benefícios do Brainspotting tanto para a terapêutica como para a otimização do desempenho. Além da elevada eficácia nas Perturbações de Ansiedade e de Pânico, pode ser administrado em casos de:

  • Fobias e medos
  • Perturbação Depressiva
  • Perturbação Bipolar
  • Transtorno da Personalidade Borderline
  • Traumas e Stress Pós-Traumático
  • Hiperatvidade e déficit de atenção
  • Transtornos de sono (insónia e pesadelos recorrentes)
  • Enxaqueca  e Cefaleias Crónicas
  • Dor Crónica
  • Gaguez

 

Artigos de interesse:

 

 

 

 

 

Liliana Pena – Psicóloga, psicoterapeuta e supervisora clínica da WeCareOn

 

Nota: Este artigo reúne informação de diversos artigos científicos sobre o tema: Principais referências: Aldeias, 2016; Gonçalves, Freitas e Sequeira, 2011; Guerreiro e Sampaio, 2013; Nunes, 2013; Pereira, 2011.

* Klomek AB, Sourander A, Niemela S et. al.: Childhood Bullying Behaviors as a Risk for Suicide Attempts and Completed Suicides: a Population-Based Birth Cohort Study. Journal American Academy of Child and Adolescent Psychiatry; 48:3, 2009, 254-261.

 

[1] Klomek AB, Sourander A, Niemela S et. al.: Childhood Bullying Behaviors as a Risk for Suicide Attempts and Completed Suicides: a Population-Based Birth Cohort Study. Journal American Academy of Child and Adolescent Psychiatry; 48:3, 2009, 254-261.