Neste artigo temos um breve olhar através das lentes da psicoterapia, procurando entender como a criatividade pode ser resgatada e redirecionada como recurso terapêutico valioso.
Pode ser difícil traçar o caminho do estudo da criatividade já que, como outras dimensões da Humanidade, esta anda de mãos dadas com a evolução da espécie. Nos últimos anos a ciência “moderna” realçou o estudo da criatividade procurando entender a sua definição, as suas causas, as relações com os processos cognitivos, com as emoções e a inteligência, e até com traços de personalidade. Com maior ou menor acordo entre cientistas, conclui-se que a criatividade é um fenómeno demasiado complexo para a reduzir a apenas a um conjunto de variáveis que se relacionam entre si. De facto, a criatividade parece ser um fenómeno ancestral, evolutivo, indissociável da natureza humana.
Criatividade
“Não sou criativo/a”. Esta frase, escutada muitas vezes, parece aniquilar qualquer abordagem com recurso à criatividade. Acontece que a frase parte de uma ideia falsa: podemos ter criatividade ou não. Na verdade, todas as pessoas têm um potencial criativo inerente à sua natureza humana, podendo este manifestar-se de inúmeras formas. Quando se assume que a criatividade não “mora cá dentro”, assume-se que ela apenas se manifesta nos formatos mais comuns como pintura, escrita, representação, música, escultura, entre outros, e que implica sempre originalidade e novidade. Mas será mesmo assim?
Acredito que todas as pessoas têm potencial para criar algo. Acredito que estamos todos/as a criar a própria história com as nossas escolhas e decisões, uma história absolutamente única e irrepetível. Talvez essa seja a nossa principal obra de arte! Desta forma, talvez a chave para fazer “emergir” o/a Artista Criador /a que existe dentro de cada pessoa seja encontrar os seus dons e talentos e redirecioná-los no caminho da criação de obras de arte livres de julgamento e formatações. É um desafio ao qual se responde com a mente e o coração.
A Presença do/a Artista
No processo terapêutico, o recurso ao potencial criativo é um método que permite, entre outras coisas, resgatar:
- Sentido de Autoria da própria vida;
- Sensação de segurança;
- Sensação de estar em controlo e “poder”;
- Vivência com integridade e conexão;
- Possibilidades expandidas (de ação e do pensar);
- Perceção de abundância;
- Compaixão;
- Confiança e sensação de autoeficácia.
É neste processo que emerge o/a Artista Criativo/a, capaz de gerir as emoções e sensações difíceis, capaz de celebrar as vitórias e a beleza dos dias, capaz de cultivar decisões alinhadas com as suas necessidades.
Este caminho passa por desenvolver criações que podem ser suportadas por diversas expressões tais como as seguintes: contos, escrita livre, música, dança e expressão corporal, poesia, canto, pintura, desenho, modelagem, escultura, colagens, jogos dramáticos. Os formatos não se esgotam nestes e a conjugação de vários é uma possibilidade. No resgate da criatividade e do/a Artista Criador/a, o mundo de possibilidades expande-se a cada passo.
Caminho da Criatividade
Muito estudado na psicoterapia com crianças e jovens, o recurso ao jogo simbólico (e a ludoterapia) proporciona um ambiente apropriado para a reflexão e desenvolvimento de competências cognitivas e transformar padrões comportamentais. Também no trabalho com adultos a criatividade encontra potencialidades cada vez mais estudadas. Sabe-se que recursos como os seguintes envolvem este trabalho terapêutico: a capacidade de cada pessoa pensar de forma independente, criar ideias novas, resolver problemas de forma não estereotipada.
Sabe-se que a imaginação é uma das peças chave neste processo, e defendo que esta deve idealmente estar de mãos dadas com a autocompaixão (não julgamento) e com a abertura à experiência.
A relação terapêutica que se estabelece é fundamental para criar as condições necessárias a um clima de aceitação incondicional e de liberdade de expressão. A este propósito, cito a descrição encontrada no site da Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia, que enquadra a arte-terapia como um processo no qual existe uma “relação terapêutica própria baseada na interação entre o sujeito (criador), o trabalho artístico (criação) e o/a arte-terapeuta/psicoterapeuta. O recurso à imaginação, simbolismo e metáforas enriquece o processo.”
De facto, a expressão artística resgatada permite:
- Identificar e reconhecer as emoções;
- Aceder a pensamentos, memórias
- Permitir que estas “estejam” no momento, sem resistência ou evitamento;
- Compreender mais profundamente e integrar as vivências e seus significados;
- Consciencializar e agir percebendo as possibilidades que a sua criatividade desperta;
- Diminuir a impulsividade;
- Experimentar soluções e mudanças de forma simbólica, e por isso segura e protegida.
Há, por tudo isto, uma profunda função reparadora no decurso do processo terapêutico com recurso à criatividade.
Quando foi a última vez que recebeu a visita da presença do/a Artista Criador/a que habita em si?
Conte connosco para facilitar o processo no qual as vastas possibilidades que habitam no seu Mundo Interior encontrem expressão no mundo exterior.
Este artigo foi escrito com recursos às seguintes fontes:
Cameron, J. (2020) O Caminho do Artista. Lua de Papel, Alfragide.
Shubin, Ivanna (2017). Creativity in psychotherapy: the possibilities of its utilization, in The European Proceedings of Social & Behavioural Sciences, https://www.researchgate.net/publication/316801633_Creativity_In_Psychotherapy_The_Possibilities_Of_Its_Utilization