A doença bipolar (também conhecida como perturbação afetiva bipolar ou, em designações mais antigas, psicose maníaco-depressiva), é uma forma de doença mental que causa mudanças extremas no humor, de forma episódica. Embora todas as pessoas possam sofrer, de tempos a tempos, de períodos de maior tristeza e outros de maior bem-estar, na doença bipolar estas oscilações atingem níveis extremos, podendo, no limite, colocar a pessoa em risco.

 

Cerca de 2 em cada 100 pessoas podem ser afetadas por algum tipo de doença bipolar, sendo a incidência em ambos os sexos aproximadamente igual. Se não tratada, pode diminuir a qualidade de vida e ter importantes consequências a nível pessoal, relacional e social. Assim, torna-se muito importante identificar a doença, para que, com o tratamento certo, a pessoa consiga viver a sua vida no máximo do seu potencial.

 

Como identificar a doença bipolar?

 

Os sintomas da doença bipolar surgem por episódios de alteração do humor que podem durar de poucos dias a vários meses. Existem vários tipos de episódios, dependendo se o humor está demasiado “para cima” (episódios maníacos e hipomaníacos) ou demasiado “para baixo” (episódios depressivos). Existem ainda os episódios mistos, em que o paciente tem, ao mesmo tempo, sintomas de mania/hipomania e depressão.

 

Podemos pensar na doença bipolar como uma condição em que o “termostato do humor” tem algumas dificuldades em funcionar. Um termostato tem como função detectar a temperatura ambiente e não deixar que esta suba ou desça excessivamente. Na doença bipolar, o “termostato do humor” está desregulado e, por isso, quando o humor sobe, sobe excessivamente; quando desce, desce também excessivamente.

 

 

O que são os episódios de mania e hipomania?

 

Os episódios em que o humor se encontrada demasiado elevado são conhecidos por episódios maníacos e hipomaníacos. Os sintomas destes dois tipos de episódios são semelhantes, residindo a diferença no facto de os primeiros serem mais graves que os segundos.

 

Nestes episódios, a pessoa pode estar excessivamente feliz, excitada ou eufórica. O pensamento está acelerado (“pensar a mil à hora”), podendo ter muitas ideias e projetos novos. Muitas vezes, este excesso de atividade mental traduz-se na forma como a pessoa comunica – pode falar mais rapidamente, saltar de tema em tema e interromper constantemente os outros.

 

Também é natural que esteja mais ativa, por exemplo arrumando a casa toda em poucas horas, iniciando várias atividades novas ou fazendo exercício físico de forma incansável. Fruto deste excesso de energia e de atividade, o sono está quase sempre alterado – a pessoa sente menos necessidade de dormir, sentindo-se restabelecida ao fim de poucas horas de sono. Este excesso de energia e atividade pode fazer-se acompanhar de impulsividade e a pessoa pode incorrer em algumas atividades de risco para si e para os outros – conduzir de forma perigosa, gastar dinheiro impulsivamente, ter relações sexuais desprotegidas ou mesmo ficar agressiva.

 

Também é natural que a pessoa se sinta com aumento da auto-estima e confiança em si mesma. No extremo, este aumento de autoestima pode originar um delírio de grandiosidade – a pessoa pode acreditar que tem uma missão especial, que é um Messias, que fez uma descoberta científica que vai mudar o mundo ou que é alguém famoso ou poderoso.

 

Por vezes, com o decorrer do episódio, todo este excesso de energia é transformado em irritabilidade – afinal, é como se o mundo andasse a 10 km/h, quando a pessoa está a 1000km/h.

 

 

Sinais e sintomas de mania/hipomania

 

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais, 5ª edição, apresenta uma lista de sinais e sintomas característicos dos episódios de mania/hipomania:

  1. Autoestima inflacionada ou grandiosidade;
  2. Redução da necessidade de sono (p. ex., sente-se descansado com apenas três horas de sono);
  3. Mais loquaz que o habitual ou pressão para continuar a falar;
  4. Fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados;
  5. Distratibilidade (i.e., a atenção é desviada muito facilmente por estímulos externos insignificantes ou irrelevantes);
  6. Aumento da atividade dirigida a objetivos (seja socialmente, no trabalho ou escola, seja sexualmente) ou agitação psicomotora (i.e., atividade sem propósito, não dirigida a objetivos);
  7. Envolvimento excessivo em atividades com elevado potencial para consequências nefastas (p. ex., envolvimento em surtos desenfreados de compras, indiscrições sexuais ou investimentos financeiros insensatos).

 

O que distingue os episódios de mania e de hipomania?

 

Estes dois tipos de episódios são caracterizados pelo mesmo tipo de sintomas, previamente referidos. O que os distingue é a duração mínima do episódio e a gravidade dos sintomas.

 

Segundos os consensos internacionais, os episódios maníacos devem durar pelo menos uma semana, enquanto os episódios hipomaníacos devem durar pelo menos quatro dias. Além disso, os episódios de mania são, por definição, mais graves do que os de hipomania.

 

Assim, e no que diz respeito à gravidade do episódio, se surgem sintomas psicóticos (como delírios e alucinações) ou se o episódio é grave ao ponto de causar prejuízo acentuado na vida pessoal, social ou profissional ou de necessitar de hospitalização, estamos perante um episódio maníaco.

 

No episódio hipomaníaco, os sintomas de elação do humor rompem com o estado habitual da pessoa e são notados por terceiros, mas não causam impacto significativo no seu funcionamento. Na verdade, fruto do aumento da energia e da auto-estima, o desempenho da pessoa pode melhorar em várias àreas da vida – fica mais produtiva no trabalho, socializa com mais facilidade e está mais criativa.

 

Porque são, então, os epidósios de hipomania um problema clínico?

 

Na verdade, os episódios de hipomania, em si mesmos, não são problemáticos. A sua relevância encontra-se no facto de nos sinalizam que estamos perante uma doença bipolar que não está estabilizada. A doença bipolar, como vimos, apresenta duas facetas. Assim sendo, tal como existem episódios de elação do humor, mais cedo ou mais tarde existirão também episódios de diminuição do humor – ou seja, episódios depressivos.

 

Muitos episódios de elação do humor são seguidos por episódios depressivos, pelo que é importante a estabilidade a partir dos polos.

 

 

O que são os episódios depressivos?

 

Os sintomas dos episódios depressivos (sintomas de depressão) são opostos àqueles já descritos para os episódios maníacos. Assim, o humor está deprimido, a pessoa sente-se em baixo, desanimada e sem esperança. Pode estar cansada e sentir um grande dificuldade para conseguir fazer as actividades do dia-a-dia que, noutras alturas, faria sem dificuldade. As actividades que normalmente dão prazer (ler, estar com a família e amigos, praticar desporto, etc) passam a ser sentidas como indiferentes ou até penosas.

 

A autoestima está diminuída, surgindo pensamentos de menos-valia e de culpabilidade. As funções cognitivas podem também estar afectadas, criando dificuldades de atenção e concentração.

 

O sono e o apetite pode estar alterado no dois sentidos: pode haver um excesso ou uma diminuição do sono e do apetite. Quando a diminuição do apetite é marcada, pode haver perda de peso importante.

 

Fruto de todos estes sintomas, podem surgir pensamentos suicidas como resposta à dor sentida. No limite, terminar a própria vida pode ser a única saída que a pessoa imagina. Nunca será demais dizer que o suicídio é uma vontade da depressão e não da pessoa. Na maior parte das pessoas, quando o episódio depressivo se resolve, a vontade de morrer também se dissipa.

 

Sinais e sintomas característicos dos episódios depressivos

 

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais, 5ª edição, apresenta uma lista de sinais e sintomas característicos dos episódios depressivos:

  1. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme indicado por relato subjetivo (p. ex., sente-se triste, vazio ou sem esperança) ou por observação feita por outra pessoa (p. ex., parece choroso).
  2. Acentuada diminuição de interesse ou prazer em todas, ou quase todas, as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias.
  3. Perda ou ganho significativo de peso sem estar a fazer dieta ou redução/aumento do apetite quase todos os dias.
  4. Insónia ou hipersónia quase diária.
  5. Agitação ou lentificação psicomotora quase todos os dias (observável por outras pessoas; não meramente a sensação subjetiva de inquietação ou de se estar mais lento).
  6. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
  7. Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem ser delirantes) quase todos os dias (não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente).
  8. Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão quase todos os dias.
  9. Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio.

 

O que são os episódios mistos?

 

Os episódios mistos são caracterizados pela ocorrência, no mesmo episódio, de sintomas dos dois polos: do polo depressivo e do polo maníaco. Estes sintomas dos dois polo podem ocorrer ao mesmo tempo ou em rápida sucessão. Assim, por exemplo, a pessoa pode estar com muita energia, sem necessidade de dormir e com vontade de fazer muitas coisas (sintomas do polo maníaco), mas sentir-se triste e pensar no suicídio (sintomas do polo depressivo).

 

Como é feito o diagnóstico da doença bipolar?

 

Segundo os consensos internacionais, existem dois tipos principais de doença bipolar:

  1. Doença bipolar tipo I – quando ocorrem, no curso da doença, episódios maníacos e depressivos.
  2. Doença bipolar tipo II – quando ocorrem, no curso da doença, episódios hipomaníacos e depressivos.

 

Aquando da investigação clínica inicial, podem ser pedidos exames auxiliares de diagnóstico, como análises sanguíneas ou tomografia axial computorizada (TAC) cerebral. Estes exames têm como objectico exlcuir a existência de outras patologias que se poderiam confundir com doença bipolar (por exemplo, doenças da tiróide ou tumores do sistema nervoso central). O diagnóstico de doença bipolar, em sim, não requer estes exames, sendo feito unicamente pelo conjunto de sinais e sintomas apresentados ao longo da vida da pessoa.

 

A história clínica é, por isso mesmo, central. Se um paciente procura ajuda aquando de um episódio depressivo, é muito importante identificar episódios prévios de mania ou hipomania, que conduziriam ao diagnóstico de doença bipolar.

 

Infelizmente, quando os primeiros episódios de alteração do humor são do polo depressivo e o primeiro episódio de mania ou hipomania só ocorre após vários episódios depressivos, pode demorar vários anos até ser feito o diagnóstico correto.

 

 

O que não é a doença bipolar?

 

Por fim, tão importante como dizer o que é a doença bipolar é dizer o que ela não é. Acima de tudo, a doença bipolar não é um problema de carácter ou algo que a pessoa, sozinha, possa controlar.

 

Algumas pessoas, pela sua personalidade, podem apresentar estados emocionais muito intensos e variáveis. Quando essas mudanças ocorrem dentro do mesmo dia (estar bem numa altura do dia e mal pouco tempo depois) e estão presentes de forma contínua desde sempre, provavelmente fazem parte da personalidade do próprio indivíduo. Por definição, na doença bipolar, as alterações do humor ocorrem por episódios isolados de dias a meses de duração. Entre esses episódios, o humor tenderá a ser normal – ou seja, com oscilações subtis e que não causam sofrimento nem impacto na vida do próprio.

 

Se tem ou desconfia ter doença bipolar, é importante ter acompanhamento regular por um médico psiquiatra. Com o tratamento melhor adaptado a si, pode ver a ocorrência de episódios depressivos, maníacos, hipomaníacos ou mistos diminuir de forma significativa, obtendo assim uma maior qualidade de vida.

 

 

Fábio Silva – Psiquiatra @WeCareOn