Ninguém quer ser infeliz. Conscientemente, ninguém quer estar triste ou angustiado/a.  Há, porém, a possibilidade de alterar o grau em que cada um/a de nós de sente perturbado. Este artigo proporciona informação que permite olhar para sobre como podemos estar a organizar os pensamentos e sentimentos, e como essa organização pode contribuir para a vivência dos dias. Um Guia para Dias Felizes.

 

Notícia de última hora

 

Pode ser difícil de aceitar, mas talvez possa ser válido que, em grande medida, sou eu que causo a minha perturbação emocional, o desconforto psicológico. Calma… Não é uma decisão consciente! Digamos que podemos estar a atuar em “piloto automático”. Sentir preocupação, tristeza, arrependimento, desapontamento, irritação, tudo isso é natural. É até esperado que esses sentimentos (e emoções) existam, é saudável e adaptativo.

 

Caso contrário, como saberíamos o que é mais saudável para nós ou não? O que se torna problemático é a persistência desses sentimentos, transformando-se em ansiedade, angústia, depressão, raiva, culpa… Esta última lista inclui sentimentos que, perdurando no tempo, não são úteis, não resolvem nada, são autodestrutivos.

 

Consideremos por uns instantes que o grau de perturbação emocional que me permito sentir pode derivar da forma como eu interpreto a situação/acontecimento em causa, ou seja, procuro responder à pergunta “que história estou a contar sobre esta situação?”.

 

 

Se assim for, tenho capacidade para mudar o grau em que me sinto perturbado/a. Tudo isto exige treino e capacidade para disputar as minhas “verdades”, para pensar e sentir saindo do estado de “piloto automático”. Coragem, acima de tudo coragem para contar uma história diferente. E, se assumo isto por alguns instantes, posso também assumir que tenho capacidade para determinar o grau em que me sinto feliz, sereno/a, pleno/a.

 

Vamos lá desmontar como é isto possível. O que posso fazer perante algo que me incomoda ou magoa?

 

Opção A. Mudo a situação ou problema que me incomoda.

Exemplo, termino a relação, mudo de trabalho, deixo de comer alimentos processados e mudo a minha alimentação, deixar de fumar, …

 

Opção B. Mudo as crenças, isto é, a forma como penso. Sim, é possível…

Primeiro há que perceber “Para que” serve pensar desta forma (responder a Para quê, e não a Porquê. Vamos sempre arranjar imensas razões para o porquê. Responder a “Para quê” exige perceber para que me está a servir pensar assim. E, se formos verdadeiros/as connosco, encontramos a resposta).

 

Depois de perceber para que me serve pensar assim, poderei começar a entender que necessidade ando a tentar responder. (exemplo: não quero ficar sozinho/a, por isso aceito o que me diz esta pessoa, mesmo que não concorde com ela).

 

E depois poderei entender melhor de que outras formas posso responder a essa necessidade sem que tenha que ficar incomodada.

 

Exemplo: Fumo para me descontrair e sentir mais tranquilo. Sempre que algo me preocupa, lá vou eu fumar. E sempre que fumo parece que me acalmo, a mente fica mais clara. Talvez eu precise de sentir que entendo o que se passa na minha vida e que estou capaz de me acalmar para tomar boas decisões. Mas então, se fumar é um comportamento que sei que me prejudica, a vários níveis (saúde que piora, amigos que se incomodam com o cheiro de tabaco, eu quero ter um estilo de vida mais saudável e fumar não faz sentido!), como posso eu encontrar formas de satisfazer a minha necessidade de sentir tranquilidade para encontrar soluções para os meus problemas, de forma mais saudável? Por exemplo, medito, faço exercício físico, começo a fazer crochet, danço sapateado…

 

Exemplo: Estou neste relacionamento que é tóxico para mim para não me sentir sozinha, porque ainda sinto que podemos realizar os sonhos que tinha quando tudo começou, porque sinto que posso salvar esta pessoa se ela ficar comigo, porque esta foi a pessoa que melhor me compreendeu até hoje, porque prefiro os pequenos momentos com ele do que momentos de adormecimento na vida. Talvez eu precise de sentir vida, emoções e sensações que me façam sentir viva, talvez eu precise de sentir que alguém me acha especial (mesmo quando eu própria duvido disso), talvez eu precise de me sentir amada, acompanhada mesmo nas coisas mais simples da vida. Talvez eu veja toda a agente à minha volta com companheiros e eu sozinha. Mas, se esta relação me incomoda tanto agora, se sinto que os meus limites estão a ser negligenciados, se já não faz sentido para mim, e as coisas boas da relação já não compensam as más, começo a questionar porque ainda espero por ele. Onde posso responder às necessidades de amor, aceitação, sensação de ter dias com vida e propósito, de uma forma mais saudável para mim? Dedico-me a quem me ama e me aceita exatamente como sou. Essas são as pessoas para “guardar” na minha vida. Vou ver quem tenho!

 

 

A opção B tem sido considerada a mais poderosa se queremos mudar como sentimos e agimos, ou seja, as reações que vivo perante o acontecimento/problema que me “incomoda”. Se quero que algo deixe de me incomodar, o mais eficaz é mudar a forma como penso nisso.  Até porque há casos em que não consigo diretamente mudar o acontecimento/problema (exemplo: doença, terramoto).

 

Logo… Se fico numa situação que me causa sofrimento, talvez seja porque eu decido ficar. Sim, isto é difícil de aceitar… Mas, a lógica mostra que, se decido ficar, é porque ainda há alguma(s) necessidade(s) que estou a responder ficando nessa situação. E/Ou porque a alternativa (abandonar a situação) me assusta tanto que não é considerada válida ou possível.

 

Sim, pode ser um pouco cruel esta conclusão, mas vamos ter coragem para pensar bem sobre isto:

Não tenho mesmo alternativa? É absolutamente vital que eu fique nesta situação? A minha vida vai acabar se eu sair? O que perco se sair ou se ficar? O que ganho? A vida das pessoas que eu amo vai ficar muito mal se eu sair?

 

(Não estamos aqui a considerar situações limite de abuso ou negligência ou em que a pessoa que decide é uma criança.)

 

Logo… O contrário também é válido: não é inteiramente de mim que depende a ansiedade/depressão/sofrimento dos outros envolvidos. Se eles permanecem nessa situação que lhes causa sofrimento ou angústia, é porque eles também o decidiram.

 

(E, já agora, também não sou eu o principal responsável pela felicidade e serenidade dos outros… )

 

 

As crenças (pensamentos que considero verdades) são realmente poderosas

 

Todos/as temos, em maior ou menor grau, tendência para algures no tempo desenvolver formas de pensar que podem condicionar a nossa vida de forma disfuncional. São crenças como:

(estas são só algumas! Cada um/a pode tentar perceber as suas)

  • É absolutamente essencial ser amado e aprovado pelas minhas pessoas, as que são mais importantes para mim.
  • Para eu poder considerar-me válido tenho que ser muito competente, suficiente e capaz de fazer tudo aquilo a que me proponho.
  • As pessoas que não fazem o que “devem” são más pessoas, irresponsáveis e moralmente diminuídas.
  • É terrível quando as coisas não acontecem como eu gostaria/planeei, e sei que não serei capaz de lidar com isso.
  • As desgraças e o mal-estar humano são causadas por circunstâncias externas e nós não temos capacidade para gerir as nossas emoções.
  • Se é algo potencialmente perigoso devo sentir-me inquieto e estar muito atento à possibilidade (que é alta!) de que ocorra.
  • É mais fácil evitar as dificuldades ou responsabilidades da vida do que fazer-lhes frente.
  • Preciso sempre de alguém mais forte e sábio para me ajudar nas decisões.
  • O que me aconteceu no passado vai afetar-me (para) sempre.
  • Devo sentir-me preocupado pelos problemas dos outros.
  • Existe uma solução perfeita para cada problema e se não a conseguir será muito mau.

 

Em que é que resultam estes padrões de pensamento? Resultam em estabelecermos exigências fortes e quase absolutas para a nossa vida. Em algum momento da nossa vida acreditarmos fortemente em pelo menos uma das seguintes:

  • Eu tenho que fazer tudo bem, ser justo e correto, e merecer a aprovação dos outros.
  • Os outros devem ser justos e agradáveis comigo.
  • A vida deve oferecer-me condições boas e facilidades para conseguir o que quero sem grande esforço ou incómodo.

 

Mas… quando estas exigências absolutistas não se verificam, o que acontece? (Bem-vindos/as ao mundo real! J )

 

  • CatastrofizaçãoNão é possível! É terrível! Está tudo perdido, não vale a pena…
  • Intolerância à FrustraçãoNão posso passar por isto, não suporto isto, não suporto sofrimento ou angústia, não estou capaz disto.
  • CondenaçãoSou insuficiente, não sou capaz, sou uma pessoa péssima, sou egocêntrico. OU O mundo é horrível porque não me dá o que preciso e o que tenho que ter.

 

E a partir daqui é um saltinho pequeno para arranjarmos formas de pensar no dia a dia que nos protegem deste desconforto que pode ser difícil de gerir (na maior parte das vezes sem termos consciência disto!)

São distorções no pensamento como, por exemplo:

  • Usar um filtro mental – focar só no negativo, ou só no positivo; focar só numa parte da história. (Desta vez consegui entregar o trabalho a tempo, mas está uma porcaria).
  • Generalizar (Se é assim agora, será sempre assim; se eu errei agora, voltarei a errar de certeza; Para Sempre ou Nunca Mais)
  • Adivinhar o futuro e ler mentes dos outros (Aquele comentário vago foi para mim, já percebi que ele me acha um incompetente e inútil, é até provável que todos os que estão nesta sala o achem também, não serei capaz de fazer melhor).
  • Argumentação emocional (Se eu me sinto muito envergonhado aqui é porque é verdade que o que eu fiz foi uma porcaria, e todos estão a achar isso).
  • Personalização (Sou eu o culpado pelo que está a acontecer).
  • Rotular (Sou egocêntrico, logo é natural que as minhas ações sejam egocêntricas).
  • “Tenho que e Devo” (Tenho que ter cuidado com o que digo, pois posso magoar mais as pessoas; Tenho que decidir o quanto antes se quero ou não terminar ou retomar este relacionamento; Tenho que encontrar um trabalho mais significativo, um projeto profissional que tenha sentido).

 

Repare que, com estas distorções, consigo alimentar plenamente as minhas exigências (a mim mesmo e ao mundo e à vida). Não saio disto!

 

Como acredito nisto, sei que é assim.

 

Mas então, e se eu acreditar que pode ser diferente…?

 

 

Por à prova as crenças

 

Usemos o exemplo seguinte.

É importante que as minhas decisões sejam as corretas, que não magoem outras pessoas, mesmo que isso signifique fazer algo com o qual não me identifico. Dessa forma sei que as pessoas vão aprovar-me e, assim, sinto-me melhor.

 

Desmontando as peças, obtemos o seguinte:

  • Mas então como é que sabe (quem sabe) qual é a decisão correta? Quem define o que é correto para si? Onde está a prova de que as pessoas que o/a amam, as que interessam, vão ficar magoadas com as suas decisões? E, se essas pessoas o/a amam pela pessoa que é, como podem ficar magoadas com uma decisão que tem como base o que acha que é melhor para a sua felicidade?
  • Quanto às pessoas que poderão ficar incomodadas com a sua decisão, será que elas estão preocupadas consigo ou com elas próprias? E não será que são elas que decidem ficar incomodadas com a sua decisão? As pessoas podem ter opiniões sobre a sua decisão, mas se ficam magoadas com ela, então é porque permitem que as decisões dos outros as incomodem.
  • Que história estão as pessoas a contar sobre esta situação, já lhes perguntou? Que personagem está a assumir na sua própria história? O/A malvado/a, o/a manipulador/a, o/a coitado/a, o/a herói/heroína…? Se é responsável pelo mal-estar dessas pessoas, é também a responsável pela alegria delas? Elas ficam alegres por si? Então é porque a querem ver bem. Elas ficam magoadas ou incomodadas com a sua vida? Então é porque não entendem as suas necessidades (ou talvez não as queiram entender, é uma questão de respeito).
  • E vamos a uma pergunta essencial: para que serve esta crença? Para se sentir aceite, amado/a, protegido/a. Mas então, quer sentir-se amado/a e protegido/a por que tipo de pessoas? Pelas que respeitam as suas decisões e o seu bem-estar, ou pelas que querem que faça o que ELAS acham que é melhor para si? Quem quer ter na sua vida? Quem é que quer que seja a sua “tribo”?

 

Outra coisa que pode acontecer é ter medo de ser julgado/a pelos outros. E, novamente, voltamos à crença “o que vão os outros pensar de mim?!”

 

Ora, nós pensamos e julgamos os outros com base na nossa experiência, na informação que já temos, e de acordo com o nosso humor. Se está bem disposto/a e sereno/a, verá o lado bom da coisa. Se está zangado/a, verá o lado mau. Na verdade, o que vemos é um espelho do que sentimos!

 

Um exemplo clássico disso é quando se começa a namorar: de início, aquela forma desarrumada de estar é querida, a forma como é distraído/a, que giro! (temos as hormonas da paixão todas ativadas, há oxitocina e endorfina por todo o corpo!). Mas 1 ano depois, ficamos irritados/as com essas distrações constantes. E quando um dia, depois de um dia péssimo de trabalho, essa pessoa nos deixa à espera na porta do cinema porque se esqueceu… está bom de ver que não é rosas que lhe queremos atirar quando a vemos depois.

 

Voltando ao exemplo de cima, se temos alguém que, constantemente, julga o que fazemos, como todo o esforço e dedicação que temos, como mau, imperfeito, errado, inútil, então o melhor será questionarmo-nos:

  • Para que é que esta pessoa está a ser tão exigente comigo? É para me estimular a fazer melhor? Que necessidade tem ela de me fazer sentir menos capaz tantas vezes? Se vemos o espelho do que sentimos… Será que é ela que acha que não é capaz, tem medo de falhar e precisa de rebaixar os outros para se sentir melhor?
  • Porque é que ainda estou com esta pessoa? Que necessidade estou eu a tentar responder nesta relação?

 

Como sugestão, deixo o desafio de identificar quais são as suas crenças, quais delas têm alimentado os seus comportamentos, especialmente os indesejados (ou aqueles que já não fazem sentido e nem percebemos bem porque é que ainda continuamos a agir dessa forma).

 

 

E, se neste processo (e enquanto vem lendo este artigo) dá por si a fazer perguntas desconcertantes a si mesmo/a, perguntas às quais sente que as respostas não surgem facilmente, saiba que não está sozinho/a! Provavelmente está a viver um processo de mudança, tão especial e único como a sua história. Estamos cá para o/a ajudar a escrever novos capítulos dessa história.

 

Cláudia Andrade – Psicóloga & Directora Clínica WeCareOn

 

Na construção deste artigo foram consultas várias obras. De entre várias realçam-se as seguintes:

& Dryden, W. (2007) The Practice of Rational Emotive Behavior Therapy – second edition, Springer Publishing

Ellis, A (2016) How to Stubbornly Refuse to be Miserable about Anything, Yes Anything!. Ed. Citadel Press Inc.,U.S.

Gonçalves, O. (2004) Terapias Cognitivas: Teorias e Práticas. Ed. Afrontamento.