O cérebro é o órgão do ser humano mais complexo e que ainda tem muito por investigar. Mas existe uma característica do nosso cérebro que é estudada há vários anos. Esta característica veio-nos demonstrar que podemos sempre mudar: a neuroplasticidade ou plasticidade neuronal.
O que é a neuroplasticidade?
A neuroplasticidade é a capacidade que os neurónios têm de se alterarem e reorganizarem consoante o ambiente, os comportamentos e as experiências internas. Assim, esta característica do nosso cérebro faz com que o mesmo seja capaz de criar novas ligações entre os neurónios, regenerando-os. Isto significa que as lesões cerebrais ou alterações de estruturas cerebrais provocadas por algum tipo de doença, como por exemplo, um trauma, ansiedade ou depressão. Estas lesões podem não ser estáticas e definitivas, deixando cair por terra a ideia de que estamos “condenados” àquilo que nos aconteceu ou simplesmente ao nosso código genético.
Ou seja…
Podemos então dizer que o nosso cérebro assemelha-se mais a uma plasticina e não tanto a uma estrutura estática e inflexível. Ainda assim, convém desfazer o mito de que podemos ser tudo aquilo que queremos, como se tivéssemos superpoderes. A neuroplasticidade é uma característica do nosso cérebro que nos mostra que podemos mudar com treino e repetição. Isto é, essa mudança dá trabalho e implica persistência, tolerância à frustração e manutenção do comportamento aprendido. Essa mudança implica mudar hábitos (repetição de comportamentos que reforçaram certos circuitos neuronais), os quais são automáticos, muitas vezes exigindo pouca ou nenhuma atenção ou reflexão.
Como se descobriu este recurso do nosso cérebro?
Foi no final da década de 60 que o Neurocientista Michael Merzenich realizou estudos com animais. Nestes conseguiram-se visualizar as modificações nos circuitos neuronais conforme a prática de alguma atividade. Por exemplo, conseguiu modificar os nervos da mão de um macaco e observar que eles rapidamente se reorganizaram para criar um novo circuito neuronal para a mão do macaco.
Numa TEDtalk dada em 2004, o Neurocientista diz-nos que a o cérebro é uma máquina que está construída para mudar, focando-se precisamente no desenvolvimento e mudança do cérebro a partir do momento que um bebé nasce. Nesse momento o cérebro do bebé tem capacidades muito limitadas e à medida que vai crescendo nota-se a evolução de um cérebro que é capaz de coordenar movimentos, falar e armazenar uma série de dados, cada vez com mais precisão.
Como funciona então o conceito de neuroplasticidade?
Quando falamos de neuroplasticidade, falamos naturalmente dos processos de aprendizagem. Isto significa que perante uma tarefa ou atividade nova, o cérebro estabelece um conjunto de ligações neuronais, as quais vão ser reforçadas quanto mais essa prática é repetida. Reforçando essas ligações neuronais, a comunicação entre os neurónios melhora, pelo que a resposta é mais rápida, criando-se os famosos hábitos. Há um momento em que essa prática é automática, sem termos que pensar. Um bom exemplo é de quando aprendemos a conduzir. Da primeira vez parece que estamos perante uma série de estímulos e que tudo é feito muito devagar e de forma pensada. À medida que vamos treinando, este comportamento torna-se mais rápido e automático.
Pensando então no fenómeno da repetição, isto também significa que todos os comportamentos que não são treinados são esquecidos. Deste forma as ligações neuronais enfraquecem, tornando a resposta a esses mesmos comportamentos mais lenta.
De que forma o envelhecimento interfere na neuroplasticidade?
Tal como explicado, acima, sobre a evolução de um cérebro de um bebé até a um cérebro adulto, os diferentes mecanismos cerebrais vão ficando cada vez mais aprimorados naquilo que são capazes de fazer. Este aprimoramento acontece até ao pico da nossa na sua performance, a qual terá o seu pico mais ou menos entre os nossos 20 e 40 anos, pelo que posteriormente o nosso desempenho começa a deteriorar-se. Assim sendo, a forma como o cérebro atua com determinada idade (naquilo a que diz respeito ao seu desempenho) vai influenciar a forma como o mesmo atua anos mais tarde, ou seja, com uma deterioração mais rápida. Mais especificamente, se alguém com 30 anos tem um desempenho cerebral inferior à média, aos 60 anos poderá estar com apenas 16% de capacidade e aos 80 anos somente com 10%.
No entanto, existem uma série de exercícios que podem ajudar a reverter este declínio do cérebro, mesmo a pessoa tendo uma idade avançada um cérebro mais lento. Tem precisamente a ver com a plasticidade neuronal.
Qual a diferença entre uma neuroplasticidade negativa e uma plasticidade positiva?
Uma grande parte da mudança neuroplástica acontece de uma forma inconsciente e que nem sempre é benéfica, como é o caso das adições e outras condições comuns. A ansiedade, a depressão, a perturbação obsessivo-compulsiva e as fobias ocorrem porque ocorreram mudanças neuroplásticas ao longo do tempo. Esta é a chamada neuroplasticidade negativa. E isto porque o cérebro não consegue distinguir comportamentos adaptativos de comportamentos não-adaptativos, pois só aprende aquilo que é repetido. Isto explica porque é que às vezes temos comportamentos que nos são prejudiciais e, embora racionalmente o saibamos, não conseguimos deixar de ter esses mesmos comportamentos. São hábitos!
Por outro lado, a neuroplasticidade também permite aumentar a capacidade de aprendizagem e de memória, recuperando o cérebro de lesões provocadas pela ansiedade, depressão, entre outras. Assim, conseguimos melhor a função do nosso cérebro através do mesmo processo neuroplástico. É possível recuperar de uma perturbação psicológica, conduzindo o cérebro a um funcionamento normal através da mudança neuroplástica.
Como podemos usar a neuroplasticidade a nosso favor?
Agora é mais fácil compreendermos que continuam a ser as experiências e os contextos que modelam o nosso cérebro, mas também que podemos ser os responsáveis por criar caminhos neuronais diferentes através da aprendizagem e treino de novos comportamentos.
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Exercite o seu corpo com uma simples caminhada! (Não precisa de ser o maior atleta!)
O exercício físico é das melhores coisas para o cérebro e há até quem acredite que o grande propósito do cérebro é mexer o corpo.
O hipocampo, estrutura cerebral, tem a capacidade única de criar novos neurónios a cada dia, processo que se chama de neurogénese. Estudos recentes têm mostrado que 700 novas células cerebrais são criadas no hipocampo todos os dias, embora muitos destes neurónios não sobrevivam. Esses novos neurónios precisam de apoio para crescer e tornaram-se membros ativos da comunidade do hipocampo.
Mexer o corpo aumenta o movimento do sangue para o cérebro, o que eleva os níveis de oxigénio que provoca alteração bioquímicas que protegem os novos neurónios, banhando-os num fator neurotrófico derivado do cérebro. Este é como um fertilizante, o qual aumentado consegue expandir muitas capacidades cognitivas, incluindo a aprendizagem, memória e atenção.
Estas condições fomentam o crescimento e alteração do cérebro, criando novos caminhos neuronais e conexões sinápticas, o que traduz a neuroplasticidade.
Uma simples caminhada diária de 30 minutos é suficiente para ter estes efeitos!
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Pratique mindfulness!
O mindfulness ou a meditação são uma neuroplasticidade autodirigida, pois promovem a neuroplasticidade na nossa própria vida, interior e exteriormente.
Quando meditamos ou estamos num modo mais mindful, guiamos ativamente a consciência e atenção do nosso cérebro. Fazendo um esforço consciente para trazer a nossa atenção ao momento presente, estamos a interromper ciclos de ruminação ou antecipação que só aumentam os níveis de ansiedade e depressão. Isto faz com que controlemos, deliberadamente, os pensamentos e ações do sistema límbico (parte cerebral relacionada com o medo) para o lobo frontal (responsável pelo planeamento de uma variedade de ação e pela resolução de problemas). A neuroplasticidade faz com que estas regiões se tornem mais conectadas. Deste modo o lobo frontal apresenta mais controlo sobre o nosso sistema límbico. Com a prática regular de mindfulness a ativação do lobo frontal torna-se o padrão de referência para as nossas respostas emocionais, e o nosso cérebro torna-se mais calmo, menos reativo e ansioso e mais resiliente.
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Tenha hábitos de sono saudáveis.
Um sono com qualidade garante um funcionamento saudável do cérebro, pelo que é importante fazer uma boa higiene do sono (deitar normalmente à mesma hora, não ter grandes estímulos visuais e de luzes meia hora antes de dormir, ter um ritual de fecho de dia que ajude a adormecer, não comer nem beber muito ao jantar e/ou ceia).
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Investir numa alimentação saudável.
O que comemos está muito relacionado com aquilo que se está a passar na nossa cabeça. Assim, a nossa alimentação tem um papel fundamental no funcionamento cognitivo, no bem-estar em geral e na promoção de um envelhecimento o mais saudável possível.
É importante referir também que quanto mais peso ganhamos, mais o nosso cérebro encolhe. O excesso de peso leva, muitas vezes, à obesidade e à diabetes, os quais prejudicam as ligações neuronais. Isso faz com que as sinapses fiquem destruídas, os vasos sanguíneos mirrem e alguns neurónios morram no nosso cérebro. O resultado é um cérebro menor.
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Modifique a sua forma de pensar.
Aprender a aumentar a qualidade da nossa atenção e a alterar o nosso pensamento faz com que, com repetição, as nossas áreas cerebrais se modifiquem fisicamente (no aumento de tamanho de certas áreas importantes) e funcionalmente (na forma como a informação entre os neurónios é passada).
Use a regra dos 4 R’s e:
– Resignifique. Fique atento às mensagens negativas do seu cérebro e coloque uma etiqueta sobre aquilo que está a acontecer, dê-lhe um significado. Por exemplo, “Estou a sentir-me ansioso porque estou só a pensar no que vai correr mal!”
– Reformule. Dê menos importância às mensagens destrutivas do ser cérebro, reforçando a ideia de que os pensamentos são produtos da nossa mente e nada têm de verdadeiro. Para ajudar, identifique as distorções de pensamento, como estar a pensar tudo ou nada, estar a personalizar, estar a catastrofizar ou estar a ler a mente do outro.
– Re-foque. Nos primeiros dois passos, limpou o campo cognitivo, ou seja, o significado destrutivo dos pensamentos. Agora, redirecione o seu foco para onde quer ir e faça algo construtivo. Isso pode significar colocar os pensamentos no momento presente ou fazer alguma atividade construtiva e produtiva.
– Reavalie. Quando os três primeiros passos começaram a ser mais fáceis, este último passo começa a ser mais automático nos novos padrões de pensamento construídos pelas novas ligações neuronais (as quais esteve a reforçar quando treinou e repetiu os três passos). Começa então a ver os pensamentos tal e qual como eles são: sensações causadas por mensagens destrutivas do cérebro.
Também a psicoterapia faz uso da neuroplasticidade, pois implica a criação de novas formas de pensar e também de nos comportarmos.
Não estamos, por isso, condenados pela nossa biologia ou pela nossa história e podemos fazer uso da neuroplasticidade para criar novos hábitos que nos ajudem a melhorar a nossa qualidade de vida! Até porque a neuroplasticidade está sempre presente, tendo em conta que é nela que estão assentes os nossos mecanismos de aprendizagem e memória. Basta só fazer um uso mais consciente deste recurso do nosso cérebro! Vamos sempre a tempo de mudar!
Inês Chiote Rodrigues – Psicóloga Clínica, Membro Efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses