Em Psicoterapia debatemo-nos constantemente com pedidos de ajuda do género “controlar-me” ou “deixar de sentir o que estou a sentir”. Ainda sabendo que pela palavra e pela relação se desconstroem padrões de pensamento e de ação, alguns de nós, psicoterapeutas, sentimos a necessidade de procurar aprender sobre uma forma de ajudar as pessoas a reorganizarem-se mais rapidamente, não apenas para assumirem o controlo sob as suas vidas, mas também para estarem mais disponíveis em terapia, para a tarefa de pensar.

 

Encontrámos no Mindfulness, uma ferramenta que se tem vindo a revelar um excelente aliado da Psicoterapia. E por essa razão achámos por bem partilhar alguns dos seus conceitos básicos. Esperando poderem vir a ser úteis a quem achar interesse no tema.

 

No encontro com a Meditação, achamos mais eficiente aceitar as nossas emoções; mesmo aquelas de que não gostamos;  do que lutar contra elas, como que se debate em areias movediças.

 

O que é o Mindfulness? 

 

Estar dentro da tempestade ou observá-la?

 

Meditar é como estar num lugar privilegiado em que não apenas está seguro como pode observar o funcionamento do fenómeno. Passando a conhecê-lo e talvez até a prever a sua chegada.

 

A experiência do Mindfulness não altera as nossas circunstâncias exteriores (e por vezes também não as interiores). Mas proporciona-nos uma nova forma de relação com elas pois coloca-nos noutro lugar que não o centro da tempestade:

 

O lugar de observador externo da experiência presente.

 

Piloto Automático

 

O Piloto Automático permite-nos evitar temporariamente uma limitação importante que partilhamos com todos os animais: apenas conseguimos prestar atenção a uma coisa de cada vez ou intermitentemente, a um número muito limitado de estímulos, devido a um estrangulamento da nossa memória operacional. O piloto automático permite-nos então expandir a memória operativa, limitando a complexidade das tarefas através dos “hábitos”.

 

Há aqui um contributo muito reduzido da nossa mente consciente, e os hábitos podem ser muito úteis. Sem eles, não conseguiríamos por exemplo conduzir e manter uma conversa ao mesmo tempo.

 

Contudo, quando utilizamos este modo quase exclusivamente, e confiamos cegamente na nossa capacidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, a nossa memória operacional começa a transbordar. Vamos perdendo capacidade de reação tal como um computador ao qual se abrem várias janelas ao mesmo tempo. O computador vai se tornando cada vez mais vagaroso até que pode paralisar. Atualmente estudos revelam que em 47% do tempo em que estamos acordados, estamos distraídos.

 

Por outro lado, os “hábitos” são perigosos quando aplicados às emoções: desencadeiam espontaneamente cadeias de pensamentos que se alimentam uns dos outros contribuindo para a construção de estados de espirito. Quando estes estados de espirito são negativos, estamos a construir padrões sem nos darmos conta disso. Porque tudo se passam com pouca contribuição da nossa mente consciente.

 

O Stress

A resposta de luta ou fuga está ligada a amígdala, parte mais primitiva do cérebro humano, e que está em alerta total em situações de stress. É um mecanismo biológico sob o qual não temos controlo. E que coloca em marcha uma série de processos fisiológicos que nos preparam para lutar pela nossa sobrevivência. É portanto um mecanismo de sobrevivência desenvolvido em milhares de anos de evolução, sendo incrivelmente poderoso e quase impossível de deter.

 

A resposta de luta ou fuga é fruto de milhares de anos de evolução. Mas é um mecanismo simplista pois não nos permite distinguir uma ameaça externa (ex: ataque de um predador) de uma ameaça interna (ex: memória perturbadora ou preocupação futura).

 

Perante um pensamento “ameaçador”, a mente anda a perambular pelas nossas memórias para encontrar alguma coisa que faça eco com o nosso estado emocional do momento. Atribuindo-lhe sentido, para que consigamos “identificar” o perigo e assim “evitá-lo”. Na prática, reforça o estado de espírito suscitado por este pensamento. De notar que há um papel importante da nossa história neste processo, pois é nela que estão armazenadas as nossas memórias.

 

Se não estamos atentos a estes mecanismos, a nossas emoções estão a funcionar em piloto automático.

 

Deste ponto de vista podemos ver o stress como a resposta do sistema a uma situação percepcionada como perigosa. E a ansiedade como a nossa preocupação com esta resposta. Tomar a resposta que o sistema nos está a dar como uma nova ameaça, lutar contra algo que queremos e que não está a acontecer (a calma), aumenta do fosso percebido pela mente acerca de onde estamos e onde queremos estar. Podemos então assumir que a ansiedade resulta da luta contra os sintomas de stress, e que tende a auto alimentar-se.

 

Por outro lado, o homem moderno desenvolveu a capacidade de manter o stress ativo artificialmente usando para isso o pensamento. Tornando-se assim, a curto prazo, mais alerta e aparentemente mais “eficaz”.

 

Contudo, em stress, o sistema límbico (responsável por emoções complexas) e córtex (cérebro moderno, responsável pelo pensamento) estão muito menos ativos, e o tronco cerebral (cérebro primitivo) assume o comando das emoções, colocando em jogo assim a nossa capacidade de raciocínio.

 

Emoções e Mindfulness – o que fazer então?

 

A proposta do Mindfulness é, ao invés de tentar modificar as emoções, nota-las através das suas manifestações físicas. Lutar contra uma emoção – não desejar tê-la, considera-la inoportuna, tentar modifica-la – é julgá-la. O julgamento é uma das premissas que a meditação não inclui na sua prática. Pois considera-se que a sua precisão e validade é muito menos rigorosa do que aquilo que pensamos, devido a todas as caraterísticas inerentes ao funcionamento da mente humana.

 

Uma emoção, tal como uma dor, sinaliza-nos algo. Nesse sentido, ignorar uma emoção, tentar afastá-la, só vai fazer com que ela adquira uma força superior. Mesmo que não gostemos dela, podemos notá-la. Olhar para ela não fará com que nos fundamos com ela. Muito pelo contrário, vamos olhar para ela com a curiosidade de um observador externo.

 

Quando o carro acende uma luz que sinaliza um problema no seu funcionamento, não vamos ignorá-la porque não gostamos da mensagem que nos traz. Nem vamos desligá-la ou evitar que ela apareça, pois não?

 

Uma emoção é essencialmente gerada por um pensamento. O surgimento desse pensamento na nossa mente é absolutamente involuntário, sendo que apenas temos participação na decisão de o manter ou não. Os pensamentos são como lenha para uma fogueira. A proposta do mindfulness é parar de deitar lenha na fogueira, e não tentar apagá-la. A extinção do fogo acontece espontaneamente, sem a nossa intervenção direta. Isto não é sinonimo de “parar de pensar” ou “controlar os pensamentos”. A proposta é antes de focar a atenção, por exemplo, no corpo; tomar consciência dos pensamentos, acolhê-los, e gentilmente deixá-los partir  voltando a atenção ao corpo, no momento presente.

 

Assim, não é a irritabilidade, a tristeza ou a ansiedade que provocam o estrago mas a forma como reagimos a estes sentimentos.

 

Porque usar o corpo e a respiração no mindfulness

 

Treinar a atenção ao corpo abre-nos um caminho para as nossas emoções. E permite-nos tomar as rédeas da situação antes que ela escale. Permite-nos voltar ao presente, usando o corpo como uma âncora, ajudando-nos a perceber que não somos os pensamentos e emoções que estamos a ter naquele momento. E que estes são apenas como nuvens mais escuras a passar pelo céu naquele momento.

 

Emoções provocam sensações físicas, e quanto mais intensa a emoção, mais intensa a sensação física e existem partes do nosso corpo que estarão a ser verdadeiramente notadas pela primeira vez quando meditamos.

 

A respiração também é algo que se altera radicalmente conforme a emoção do momento. Sendo por um isso um sinalizador fidedigno do nosso estado. Por outro lado a respiração tem também impacto na forma como nos sentimos e imprime um certo ritmo ao nosso estado, sendo utilizada por algumas correntes com técnica de relaxamento.

 

A respiração adapta-se à tensão e os pensamentos alteram a respiração.

 

Quando temos um problema, antes de o pormos em perspetiva já a nossa respiração se alterou, e pode ser útil notarmos isso. Em Mindfulness não pretendemos alterar a respiração, apenas notá-la como está a acontecer no momento.

 

No entanto, é interessante notar que se não tentarmos alterar a respiração ela muda sozinha. Estamos muito habituados a tentar mudar a nossa experiência, e se isso é ótimo para alguns aspetos, para outros é menos.

 

Em mindfulness, a proposta é estarmos conectados com o corpo e com as emoções sem procurar alterar nada. É na realidade o metaconhecimento, saber como funciona o sistema para melhor lidar com ele e prever as suas alterações.

 

Conectando-nos com as nossas emoções vamos conseguir também estar mais conectados com as emoções dos outros. Em segurança, o ser humano quer ver bem os outros da sua espécie, graças à ação dos neurónios espelho, que são responsáveis pela empatia.

 

Mindfulness não é assim uma prática virada só para dentro, mas também para fora.

 

Sobre o julgamento

 

O julgamento é uma atividade mental que deriva do pensamento. Sem ele, seria impossível aprendermos com a nossa experiência, fazermos escolhas e tomarmos decisões.

 

Nesse sentido ele é muito útil, tal como o piloto automático. E a proposta da meditação não é abolir o julgamento, mas colocá-lo num lugar, que é o seu.

 

O julgamento enquadra-se na função analítica da mente. A Meditação procura desenvolver a função consciente, mais ligada à sensorialidade e atenção do que aplicação de uma lógica de resolução de problemas.

 

Nesse sentido, o Mindfulness pode definir-se como o estado que surge quando estamos em  atenção plena ao momento presente, sem julgamento. E o caminho proposto para o encontro com este estado, é a Meditação.

 

Na prática

 

Numa sessão formal de mindfulness, utilizamos, sobretudo com que não está habituado à prática, algumas gravações (de tempo variável) que convidam a pessoa a notar determinados aspetos da experiência presente, muitos deles relacionados com o corpo.

 

Durante esse momento, a mente irá divagar, revisitando situações que aconteceram, ou prevendo ou outras que irão acontecer. A proposta (que está contemplada geralmente neste tipo de áudios), é de notar que a mente divagou, e sem julgamento; pois é assim que a mente funciona; trazer a atenção de volta ao corpo e continuar a seguir os passos que a voz do áudio indica.

 

Durante a prática debatemo-nos com sentimentos de aborrecimento, tédio, vontade de desistir, sensação de não estar a resultar. Tudo isto deve ser notado e faz parte do processo de treino deste “musculo mental”.

 

A prática deve ser diária ou pelo menos muito frequente, para trazer os resultados esperados.

 

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Marta Reis – Psicóloga WeCareOn