Hoje em dia é comum ver as pessoas dizerem que por algum motivo sentem uma enorme dificuldade em aplicar a “teoria” à “prática” (por exemplo, implementar as sugestões dos livros de auto-ajuda nas suas vidas), ou seja, como fazer realmente aquilo que eu “sei” que deveria? Parabéns, você não está sozinho! Nisso não é nada diferente da maior parte das pessoas que se queixam do mesmo. E sabe que mais? Deixe lá, não tome isso pessoalmente, na verdade… nem é culpa sua! Como assim?! 🙂 Por mais bem intencionados que possam ser, muitos dos referidos livros de auto-ajuda em geral não o são… A ajuda sim, é-o.

 

O que estes livros costumam fazer é apontar caminhos para que possamos mudar o nosso comportamento, atitudes, crenças e até mesmo pensamentos, de forma a, idealmente, trazerem as mudanças que desejamos nas nossas vidas. Mas, atenção! Ninguém pretende discutir se estas sugestões podem ou não serem benéficas, se as conseguíssemos implementar… E é “apenas” este detalhe que faz (ou não) toda a diferença: o “se”. Porém, muitas vezes, a nossa capacidade de fazer certas mudanças é um pouco mais limitada do que imaginamos, não por causa de qualquer ‘deficiência’ intrínseca, mas porque podemos estar presos a padrões inconscientes aos quais temos uma aliança bem mais forte do que supúnhamos.

 

Os livros de auto-ajuda podem ajudar-nos a encontrar os caminhos que nos podem levar aos nossos objectivos desejados, mas muitas vezes eles não conseguem identificar e resolver o ‘pedaço do iceberg’ sob a superfície em que repousa a nossa consciência (e esse ‘pedaço’ sim, normalmente é que mais está comprometido e com resistência à mudança). E este trabalho de “achamento” destes icebergues ou ‘pontos cegos’ que cada pessoa tem, ou o localizar destes pequenos-grandes pedaços submersos nas profundezas dos oceanos pessoais de cada qual não nos é fornecido adequadamente, ou atendendo às especificidades de ‘cada caso’… logo, esta ligação não se estabelece, aliás, nem sequer chega a ser estabelecida. E entre um coisa e outra é que estão, necessariamente, os (novos) resultados.

 

Quem já não deu por si a fazer uma e outra vez as mesmas resoluções, ano após ano, sem efectivamente conseguir mais do que apenas engrossar a estatística daqueles que traçam muitos objectivos de “mudança” mas pouco alcançam? E a pergunta que lhe coloco hoje é esta: quer “mudança” sem “mudar”? Ou, pelo contrário, está a munir-se de recursos para ser mais eficaz em 2019?

 

Quando não conseguimos (porque não podemos/sabemos) fazer o que achamos que precisaríamos ou deveríamos fazer é fácil ficarmos com um sentimento de inadequação, fracasso pessoal, ou decepção. Muitos livros vêm lembrar-nos que nós só precisamos “deixar-de-lado-o-nosso-medo” ou “largar-o-nosso-ressentimento”, “praticar-o-perdão-para-com-os-nossos-parceiros” ou “ser-mais-honesto-connosco-mesmos”, etc., etc., etc.. Certamente que bem-intencionados e verdadeiros são estes conselhos, porém tão verdade como isso é que (como a maioria de nós provavelmente já descobriu) geralmente são bem mais fáceis de “dizer” do que de “fazer”.

 

Então como dissolver este equívoco universal?? Parte do problema é que por detrás de toda a intenção existe uma intenção contrária (geralmente inconsciente), que tenta ‘medir forças’ ou competir com o compromisso oposto. Chamemos-lhe uma “intenção sombra”, para simplificar. Por exemplo, por detrás da intenção de nos tornamos uma pessoa “mais aberta” existe uma outra intenção, a de se “fechar” ou proteger mais. Por detrás da intenção de levantar-se e “falar a sua verdade”, pode haver uma intenção de evitar a desaprovação. A nossa incapacidade de observar e analisar adequadamente as forças de ‘resistência’ dos nossos “compromissos sombra” podem, muitas vezes, deixar-nos com raiva de nós mesmos por “não fazer o que eu sei que eu deveria fazer.” Esta sensação é-lhe familiar?

 

E então? O que fazer!!? 🙂

 

Primeiramente comece por notar que (sim, “sombriamente”) por incrível que pareça à primeira vista, até a auto-condenação é mais uma forma engendrada pelas profundezas do “ego” para manter tudo aparentemente como está. Para que não abandone o ciclo ensimesmado da “mesmice” crónica e possa enfim libertar-se de tudo o que o amarra, para enfim passar à acção. Isto é (agora tentando colocar as coisas de forma mais séria), a auto-condenação é-lhe particularmente inútil quando se trata der fazer mudanças na vida, pois na sua grande maioria, a mudança requer esforço, exige paciência, perseverança e uma prática bem capaz nas artes da auto-compaixão e do amor-próprio, compreensão e apoio.

 

Reconhecer os aspectos ‘sombrios’ de nós mesmos (as partes que a vida inteira tem negado, renegado, ou tentado esconder de outros) é um passo poderoso para se tornar numa pessoa mais auto-confiante e auto-aceitante. 🙂 E se imaginar que isto são ingredientes fundamentais em qualquer relacionamento com os “outros”, é capaz de conceber também a importância que isto tem na sua relação consigo mesmo… não é verdade?

 

Mas há mais. É que, não obstante, o desejo de lançarmos ‘luz’ sobre a nossa própria ‘sombra’ tem também a sua ‘sombra’ (!), que é qual? O próprio fito ou ‘compromisso’ inconsciente de continuar a esconder o que consideramos serem os aspectos menos atractivos da nossa personalidade, a fim de promover uma impressão mais favorável nos outros. A intenção ‘sombra’ de continuarmos a fazer o que sempre fizemos e evitarmos assim os riscos potencialmente perturbadores das mudanças de vida…

 

As boas notícias são que não tem que se livrar da sua sombra! Não precisa. Uma vez que, sozinho, é tecnicamente impossível realizar um levantamento / reconhecimento da sua “sombralogia” (:)), a melhor coisa que tem a fazer é tentar identificar, aceitar e até mesmo apreciar os seus dons. E ao fazê-lo, transformar a sua percepção adversária. Mais uma vez, lá está, é mais fácil dizer do que fazer, mas é total e completamente factível, exequível, praticável! Com o apoio adequado. Com ajuda qualificada. E vale a pena o esforço.

 

Neutralizar os aspectos ‘resistentes’ da sombra, sem eliminá-los contudo, requer uma vontade explícita de iluminar o que foi escondido na escuridão, para reconhecer os anexos subjacentes, desejos e medos que mantêm a sombra no lugar. Ao fazer isso, a nossa relação com os aspectos ocultos de nós mesmos muda e deixamos a fase da negação para evoluir uma aceitação, deixando o medo (que esconde) para a segurança (que revela). Mudar o nosso relacionamento com as diversas partes de nós mesmos é o primeiro e mais importante passo para transformar a qualidade dos nossos relacionamentos. E muitos de nós bem o saberão (por experiência) que é impossível mudar a forma como você se sente em relação aos outros até que você mude a sua experiência que tem de si mesmo.

 

Todos os trabalhos (psicoterapêuticos, por excelência) que convoquem o aspecto “sombra” são essencialmente vias ou processos de cultivar o amor-próprio e a auto-aceitação. E não, não se trata de (necessariamente) procurar “destruir” algo mas antes, pelo contrário, é um procurar “construir” ou um criar algo; se preferir, um “fazer amizade” com o que antes não existia. Muitas vezes, até nem temos forçosamente que fazer nada de diferente. É mais uma questão de nos vermos a nós mesmos através de novas ‘lentes’, ao invés de tentarmos continuada e infortunadamente a tentar ser a pessoa que pensamos que “deveríamos ser”.

 

Então, porque é tão difícil fazermos aquilo que sabemos que precisávamos fazer? Porque este é um trabalho que não é para os fracos de espírito. Ele exige um forte desejo de relacionamento mais autêntico, uma vontade de sermos brutalmente honestos connosco mesmos, e uma fome de profunda e significativa conexão com a mudança, com a vida e com os outros. As exigências são altas, mas os benefícios enormes. Quando não temos mais medo de nos enfrentar ou sermos claramente vistos pelos outros, podemos finalmente ser livres.

 

E esta liberdade significa não ser mais um escravo da necessidade de aceitação externa ou da aprovação dos outros, mas sim viver com integridade e de coração aberto. E como tudo, este é um caminho construído através da formação de novos hábitos. Na necessidade de criar novos padrões de pensamento, novas realidades emocionais. Novas tarefas, rotinas, compromissos, prioridades e percepções. Uma vez que você os inicia, os velhos padrões defensivos gradualmente perdem o seu apelo e aderência.

 

A doçura de um coração aberto e a resistência de uma mente disposta são muito convincentes. E assim que o “génio da lâmpada” sai fora da garrafa, você não pode colocá-lo de volta. Mas aqui para nós, porque iria querer? 🙂