Todos podemos ser vítimas de violência doméstica!
A violência doméstica abarca comportamentos utilizados num relacionamento, por uma das partes, sobretudo para controlar a outra. Considera-se violência doméstica “qualquer acto, conduta ou omissão que sirva para infligir, reiteradamente e com intensidade, sofrimento a qualquer pessoa que habite no mesmo agregado doméstico privado (pessoas – crianças, jovens, mulheres adultas, homens adultos ou idosos – a viver em alojamento comum) ou que, não habitando no mesmo agregado doméstico privado que o agente da violência, seja cônjuge ou companheiro marital ou ex-cônjuge ou ex-companheiro marital.
A violência doméstica ocorre sobretudo no espaço familiar onde a privacidade permite agressões. Esta situação prolonga-se na maioria dos casos por muitos anos, por uma interação complexa de fatores individuais, relacionais, culturais e sociais.
Diversos estudos de investigação e a Organização Mundial da Saúde (OMS) têm revelado e chamado a atenção para esta situação que é lesiva dos direitos humanos e tem repercussões sobre a saúde das vítimas. É um fenómeno que tem assumido, por todo o mundo, proporções bastante elevadas e que só foi denunciado a partir dos anos 60/70 pelos movimentos feministas.
Ao contrário daquilo que se possa pensar, este flagelo social é já de longa data. De acordo com o II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2003/2006), esta prática atravessa os tempos e tem caraterísticas similares em países cultural e geograficamente distintos e, com diferentes graus de desenvolvimento. Embora se considere um fenómeno antigo, só recentemente se tornou um problema social.
Isto, porque há atualmente uma maior sensibilidade e intolerância social face à violência. Depois, também porque algumas organizações não-governamentais, como a APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, intervieram no sentido de conferir maior visibilidade ao problema, a comunicação social também tem centrado a sua atenção nesta divulgação.
Tipos de Violência Doméstica
Violência emocional
Qualquer comportamento que visa fazer o outro sentir medo ou inútil. Usualmente inclui comportamentos como:
- Ameaçar os filhos;
- Magoar os animais de estimação;
- Humilhar o outro na presença de amigos, familiares ou em público;
- Entre outros.
Violência social
Qualquer comportamento que intenta controlar a vida social da pessoa, através de, por exemplo, impedir que esta visite familiares ou amigos, cortar o telefone ou controlar as chamadas e as contas telefónicas, trancar o outro em casa.
violência física
Qualquer forma de violência física que um agressor(a) inflige. Pode traduzir-se em comportamentos como:
- esmurrar;
- pontapear;
- estrangular;
- queimar;
- induzir ou impedir que o(a) companheiro(a) obtenha medicação ou tratamentos.
violência sexual
Qualquer comportamento em que o(a) companheiro(a) força o outro a protagonizar atos sexuais que não deseja. Alguns exemplos: pressionar ou forçar o companheiro para ter relações sexuais quando este não quer; pressionar, forçar ou tentar que o(a) companheiro(a) mantenha relações sexuais desprotegidas; forçar o outro a ter relações com outras pessoas.
Violência financeira
Qualquer comportamento que intente controlar o dinheiro do(a) companheiro(a) sem que este o deseje. Alguns destes comportamentos podem ser:
- controlar o ordenado do outro;
- recusar dar dinheiro ao outro ou forçá-lo a justificar qualquer gasto;
- ameaçar retirar o apoio financeiro como forma de controlo.
Perseguição
Qualquer comportamento que visa intimidar ou atemorizar o outro. Por exemplo: seguir o(a) companheiro(a) para o seu local de trabalho ou quando este(a) sai sozinho(a); controlar constantemente os movimentos do outro, quer esteja ou não em casa.
Atendendo a estes tipos de violência doméstica, podemos referir que esta inclui:
- Maus tratos físicos (bater, empurrar, torcer, …);
- Maus tratos psíquicos (desmoralizar, fazer com que o outro se sinta mal consigo próprio, insultar, fazer o outro sentir-se mentalmente diminuído ou culpado, humilhar,…);
- Ameaçar provocar lesões na pessoa da vítima e/ou ameaçar abandonar, suicidar-se, queixar-se do cônjuge, …);
- Coação (coagir para prática de condutas ilícitas, …);
- Injúrias e difamações;
- Intimidar (atemorizar a propósito de olhares, comportamentos, partir objetos, destruir pertences ou objetos pessoais do outro, maltratar os animais de companhia, exibir armas, …);
- Crimes sexuais;
- Perturbação da vida privada e/ou devassa da vida privada (revelar imagens, conversas telefónicas, emails, segredos, violação de correspondência ou de telecomunicações,…);
- Instrumentalizar os filhos (fazer o outro sentir-se culpado relativamente aos filhos, usar os filhos para passar mensagens, ameaçar levar de casa os filhos, subtração de menor …);
- Violação da obrigação de alimentos;
- Controlar a vida do outro (com quem fala, o que lê, as deslocações, limitar o envolvimento externo do outro, usar o ciúme como justificação, aproveitar as visitas de amigos para atormentar, hostilizar, tomar sozinho todas as decisões importantes,…);
- Utilizar a violência económica (evitar que o outro tenha ou mantenha um emprego, forçar o pedido de dinheiro, apossar-se do dinheiro do outro, impedir que o outro conheça ou aceda ao rendimento familiar, …);
- Homicídio: tentado/consumado.
O Ciclo da Violência Doméstica
A violência doméstica funciona como um sistema circular, o chamado Ciclo da Violência Doméstica, que apresenta, regra geral, três fases:
- Aumento de tensão: as tensões acumuladas no quotidiano, as injúrias e as ameaças tecidas pelo agressor, criam, na vítima, uma sensação de perigo eminente.
- Ataque violento:o agressor maltrata física e psicologicamente a vítima; estes maus-tratos tendem a escalar na sua frequência e intensidade.
- Lua-de-mel:o agressor envolve agora a vítima de carinho e atenções, desculpando-se pelas agressões e prometendo mudar (nunca mais voltará a exercer violência).
Este ciclo caracteriza-se pela sua continuidade no tempo, isto é, pela sua repetição sucessiva ao longo de meses ou anos, podendo ser cada vez menores as fases da tensão e de apaziguamento e cada vez mais intensa a fase do ataque violento. Usualmente este padrão de interação termina onde antes começou. Em situações limite, o culminar destes episódios poderá ser o homicídio.
Violência Doméstica contra as Mulheres
A violência contra as mulheres é um fenómeno complexo e multidimensional, que atravessa classes sociais, idades e regiões, e tem contado com reações de não reação e passividade por parte das mulheres, colocando-as na procura de soluções informais e/ou conformistas, tendo sido muita a relutância em levar este tipo de conflitos para o espaço público, onde durante muito tempo foram silenciados.
A reação de cada mulher à sua situação de vitimação é única. Estas reações devem ser encaradas como mecanismos de sobrevivência psicológica que, cada uma aciona de maneira diferente para suportar a vitimação.
Muitas mulheres não consideram os maus-tratos a que são sujeitas, o sequestro, o dano, a injúria, a difamação, a coação sexual e a violação por parte dos cônjuges ou companheiros como crimes, mas sim como algo a que têm de se sujeitar, por terem optado por estar com aquela pessoa. Desta forma encontram-se, na maior parte dos casos, em situações de violência doméstica pelo domínio e controlo que os seus agressores exercem sobre elas através de variadíssimos mecanismos,
A violência doméstica não pode ser vista como um destino que a mulher tem que aceitar passivamente. O destino sobre a sua própria vida pertence-lhe, deve ser ela a decidi-lo, sem ter que aceitar resignadamente a violência que não a realiza enquanto pessoa.
Violência Doméstica contra as Crianças
As crianças podem ser consideradas vítimas de violência doméstica como:
- Testemunhas de violência doméstica: tal inclui presenciar ou ouvir os abusos infligidos sobre a vítima, ver os sinais físicos depois de episódios de violência ou testemunhar as consequências desta violência na pessoa abusada;
- Instrumentos de abuso: Um pai ou mãe agressor pode utilizar os filhos como uma forma de abuso e controlo;
- Vítimas de abuso: As crianças podem ser física e/ou emocionalmente abusadas pelo agressor (ou mesmo, em alguns casos, pela própria vítima).
Violência Doméstica contra os Idosos
A violência doméstica contra pessoas idosas é um fenómeno que existe tanto nas famílias como nas instituições. Muitos dos casos estão no silêncio, seja por receio da vítima, seja pelo silêncio das pessoas que sabem destas situações, mas não as denunciam.
A violência doméstica em contexto institucional é um tema recente, porque na consciência social, se colocamos um idoso numa instituição, a ideia é que lá ele seja bem cuidado e bem tratado. A violência que acontece em instituições pode traduzir-se na precariedade da assistência, medicação excessiva para os idosos estarem menos ativos e darem menos trabalho, desnutrição, desidratação, falta de higiene ou mesmo situações de idosos amarrados a camas. Por oposição, a violência familiar tem uma expressão mais individualizada, tanto da parte da vítima como do agressor.
A violência doméstica contra as pessoas idosas tem sido classificada em diferentes tipos:
Um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) que envolveu 53 países coloca Portugal no grupo dos cinco países com taxa maior de violência doméstica sobre os idosos, com 39%. Estes dados foram citados numa conferência sobre “Reaprender a Idade: Contributos interdisciplinares”, e demonstraram que Portugal tem um sério problema no que respeita aos maus tratos contra idosos.
Violência Doméstica contra os Homens
Apesar da taxa de violência doméstica nas mulheres ser, significativamente, maior, os homens também são vítimas deste crime. As mulheres também cometem violência doméstica, e não o fazem apenas em autodefesa.
A maioria dos homens vítimas de violência doméstica reage “com silêncio” às agressões e os que recorrem ao sistema de apoio avaliam-no negativamente por sentirem que são incompreendidos e novamente vítimas.
Dados divulgados pela Escola de Psicologia da Universidade do Minho indicam que apenas 10% dos homens vítimas contam à polícia o que estão a passar, contra 26% das mulheres. Apenas 23% recorrem a um serviço de apoio, contra 43% das mulheres e apenas 11% relatam a situação a um profissional de saúde (23% de mulheres).
Os homens vítimas de violência doméstica experimentam comportamentos de controlo, são alvo de agressões físicas (em muitos casos com consequências físicas graves) e psicológicas. O medo e a vergonha são, para estas vítimas, a principal barreira para fazer um primeiro pedido de ajuda. Estes homens receiam ser desacreditados e humilhados por terceiros (familiares, amigos e até mesmo instituições judiciárias e policiais) se decidirem denunciar a sua vitimação.
Perfil do agressor e da vítima
Segundo dados divulgados no IV Congresso Português de Sociologia os agressores são principalmente homens e as vítimas de violência doméstica são sobretudo mulheres. Tanto os agressores como a vítima têm mais de 25 anos.
Caraterísticas do(a) agressor(a)
Em geral, apresenta algumas caraterísticas comuns:
- Alcoolismo (álcool não só como circunstância, mas como hábito);
- Desemprego (nível ocupacional reduzido);
- Auto-estima baixa;
- Experiência com maus-tratos (as estatísticas colocam este fator entre os 40% e os 50% em termos de relação com essa prática);
- Depressão;
- Progressão da violência (a agressividade vai aumentando gradualmente, ao ponto de a violência, ao atingir o limiar físico, se juntar à violência psicológica),
- Precocidade (surgem algumas reações durante a juventude, como que predizendo o que vai suceder no futuro).
No entanto vistos de fora, os agressores podem parecer responsáveis, dedicados, carinhosos e cidadãos exemplares. Muitas vezes o homem sente-se culpado, prometendo à companheira melhorias em relação ao futuro. Porém, não consegue modificar-se e, em consequência, renova o sentimento de culpabilidade, bebe e passa a agredi-la.
Características da vítima
Quanto às vítimas, são na sua maioria mulheres, ou a parte mais frágil da relação. As crianças são, também, vítimas mesmo que não sejam diretamente objeto de agressões físicas. Ao testemunharem a violência entre os pais, as crianças iniciam um processo de aprendizagem da violência como um modo de estar e de viver e, na idade adulta, poderão reproduzir o modelo, para além de que a violência lhes provoca sofrimento emocional e os correspondentes problemas.
Alguns autores afirmam que existe um perfil típico para a vítima e que esta apresenta algumas caraterísticas mais comuns. São geralmente:
- Envergonhadas;
- Caladas;
- Incapazes de reagir;
- Conformadas;
- Passivas;
- Emocionalmente dependentes,
- Deprimidas.
Como a Violência Doméstica afeta a Vítima
Existem geralmente, um conjunto de consequências de caráter psicológico, físico e social que se manifestam após a vitimação. Todavia, a vítima não é, geralmente, a única pessoa em sofrimento. As testemunhas desta vitimação podem ser também afetadas. Concomitantemente os familiares e amigos da vítima, ainda que não necessariamente testemunhas do crime, podem sofrer as consequências do mesmo.
Consequências Físicas
Os efeitos físicos incluem não apenas os resultados diretos das agressões sofridas pela vítima (fraturas, hematomas, etc.), mas também respostas do nosso corpo ao stress a que foi sujeito. No entanto, estas reações não aparecem todas ao mesmo tempo e a sua intensidade poderá variar de pessoa para pessoa. Alguns exemplos poderão ser:
- Perda de energia;
- Dores musculares;
- Dores de cabeça e/ou enxaquecas;
- Distúrbios ao nível da menstruação;
- Arrepios e/ou afrontamentos;
- Problemas digestivos;
- Tensão arterial alta.
Consequências Psicológicas
A diversidade e intensidade dos efeitos psicológicos podem levar as pessoas a considerarem a possibilidade de estarem a ficar loucas ou a perder o seu equilíbrio psíquico. Todavia, estas são reações normais perante acontecimentos de vida, esses sim, anormais. Algumas das consequências psicológicas da vitimação poderão ser:
- Dificuldades de concentração;
- Dificuldades em dormir;
- Pesadelos;
- Défices de memória;
- Dificuldades em tomar decisões;
- Tristeza;
- Desconfiança face aos outros;
- Diminuição da autoconfiança.
Motivos que levam a Vítima a manter-se numa Relação Violenta
Existe uma panóplia de razões para uma vítima de violência doméstica se manter numa relação agressiva, sendo que para a maior parte da sociedade esses motivos não são válidos. Contudo olhando para violência doméstica através do prisma da vítima, estes fazem sentido. Por exemplo:
- Muitas das vítimas podem não reconhecer o comportamento do/a seu/sua namorado/a ou companheiro/a como violento;
- Recear ser discriminado/a se se assumir como vítima de violência doméstica ao procurar ajuda e apoio;
- Ter esperança que a situação se vá resolver com o/a seu/sua parceiro/a e que ele/a mudará e deixará de ser violento/a;
- Desejar continuar a investir neste relacionamento (dependência emocional, dificuldade em aceitar que a relação não resultou);
- Não querer deixar a casa, os seus pertences, os filhos ou animais de estimação;
- Temerem a reação do/a agressor/a se abandonarem a relação;
- Estarem dependentes económica ou financeiramente do/a agressor/a;
- Não querer perder o estatuto social ou económico;
- Sentir vergonha de que as outras pessoas saibam que é vítima de violência doméstica;
- Não se sentirem com forças suficientes para enfrentar a situação de rutura.
A Psicoterapia ajuda a superar a vitimação da violência
Todas as pessoas que foram vítimas de violência doméstica têm reações diferentes, em função do tipo de abuso que sofreram, das histórias passadas de abuso ou violência, das estratégias utilizadas para sobreviver ao abuso, de outros fatores de stress que têm na vida, do apoio (ou a falta deste) que receberam de familiares, amigos e serviços.
Qualquer que tenha sido a experiência, recuperar de uma vitimação de violência doméstica é recuperar de um trauma significativo. Por isso deve procurar ajuda especializada (psicologia) para recuperar o seu sentido de segurança, auto-estima e controlo sobre a sua vida.
A psicoterapia ajuda a dar um novo sentido para um evento traumático. As pessoas que melhor lidam com tragédias são as que atribuem significados mais positivos a essas situações. Como se fosse um auxílio ao crescimento pessoal e superação pessoal. Depois de uma experiência de violência, algumas pessoas isolam-se, e a psicoterapia mostra caminhos que, normalmente, as pessoas não conseguem encontrar sozinhas.
Falar sobre os seus sentimentos, sobre a forma como deve começar a perspetivar a sua vida, fazendo alterações significativas no seu padrão de pensamento e comportamento trará novos objetivos e sonhos!
Se conhece alguém que é Vítima de Violência Doméstica: DENUNCIE!
Se precisar de falar com um profissional, estou disponível para ajudar. Clique no link em baixo.