hipnose
A hipnose clínica tem dado provas cada vez mais consistentes de que pode ser uma ferramenta muito útil no processo terapêutico. Neste artigo procuro dar-lhe mais informação sobre o que é a hipnose clínica, em que consiste esta intervenção, quais as indicações e contraindicações da mesma.
Estado hipnótico
O estado hipnótico é natural, sendo experienciado várias vezes por todas as pessoas, mais ou menos intensamente. Podemos experienciá-lo no momento em que acordamos (estado hipnapômpico) ou adormecemos (estado hipnagógico), quando a atenção oscila preguiçosamente entre os estímulos externos e o nosso mundo interior, vivendo um estado de relaxamento físico. Experienciamos o estado hipnótico quando lemos de forma absorta um livro ou escutamos uma música que nos envolve todos os sentidos. O corpo relaxa e as sensações internas, as emoções, as imagens mentais e os pensamentos tomam a nossa atenção. Muitas vezes percebemos que conduzimos o carro do ponto A ao ponto B sem termos prestado “atenção” ao caminho ou ao facto de estarmos a conduzir. Nestes momentos, o foco de atenção está circunscrito a algo mais restrito do que o habitual no estado “acordado” (Marto J. & Simões M., 2017), fazendo com que todos os outros estímulos, especialmente os externos, pareçam ficar distantes e menos percetíveis.
Felizmente o nosso funcionamento psicofisiológico e neurológico permite-nos manter a execução de tarefas como conduzir, cozinhar, correr de forma segura, mesmo quando não lhes “prestamos atenção”. Talvez seja mais correto afirmar que a atenção que prestamos a essas tarefas nesses momentos é menos consciente do que a que prestaríamos num estado não hipnótico.
É por isso que, nestas situações, quando chamam o seu nome podem decorrer alguns segundos até que esteja capaz de responder, como se o foco da sua atenção tivesse que descentrar-se de algo absorvente, geralmente interno e com significados importantes para si, para poder centrar-se noutro estímulo externo. Perceberá então que esteve num estado hipnótico, ou de transe.
Embora a palavra Hipnose provenha do grego Hypnos, que significa sono, quando está num estado hipnótico não está a dormir. Na verdade, poderá escutar e responder a tudo o que vai acontecendo sem que o trabalho terapêutico se “estrague”. Vários estudos e dados obtidos através de imagiologia permitem compreender o funcionamento do organismo, incluindo a preponderância das ondas alfa e teta no funcionamento cerebral durante o estado hipnótico induzido em terapia (Jiang e colaboradores, 2019), sendo este estado diferente do encontrado durante o sono.
Como funciona a hipnose clínica?
Em contexto clínico, o estado hipnótico é induzido através de sugestões dadas pelo/a terapeuta, convidando a pessoa primeiramente a relaxar o seu corpo, acalmar a sua mente, mudando o foco de atenção do exterior para o interior (Minichiello, V.J., 2018).
Os estímulos visuais perdem força quando permitimos que os olhos se fechem, o foco de atenção afunila mais e mais para o interior de nós, à medida que escutamos a voz do/a terapeuta. As sensações físicas tornam-se mais presentes a um dado momento. Surge então uma experiência de controlo em si mesmo/a cada vez mais evidente, eventualmente com um foco inicial na respiração, quando os outros sentidos, incluindo a consciência corporal (sentido cinestésico ou propriocepção) parecem dar-nos a mensagem de que é seguro estar assim, ali, e por isso é possível mergulhar no nosso mundo interior de forma protegida e sustentada.
É ainda importante explicar que temos diferentes formas de percecionar a informação que nos rodeia e assim formar aprendizagens e significados. Podemos usar preponderantemente o modo visual, o modo auditivo ou o modo cinestésico (perceção e sensibilidade do corpo e suas partes, movimento), ou um conjunto de todos. Ao longo do processo terapêutico, terapeuta e paciente compreenderão qual a melhor forma de induzir e estado hipnótico. Neste estado, a mente fica bem desperta e a pessoa está totalmente em controlo, podendo responder e reagir a tudo o que vai sucedendo.
Nem todas as pessoas respondem da mesma forma à indução do estado hipnótico. Pode haver diferenças naturais no grau em que respondem a estes procedimentos, sendo estas diferenças influenciadas por vários fatores tais como condições físicas (dor, desconforto, condições orgânicas), expectativas e motivações, o grau de ativação emocional, enquadramento cultural e social, entre outros fatores. Sabe-se, porém, que não é necessário um estado profundo de transe para que o trabalho terapêutico aconteça de forma mais eficaz. De facto, a disponibilidade e o compromisso na aliança terapêutica entre terapeuta e paciente parecem ser os fatores que mais influenciam a qualidade do estado hipnótico induzido.
O objetivo terapêutico está sempre presente, definido inicialmente pelo/a paciente e terapeuta, ajustado a resultados realistas e guiados pela autocompaixão e aceitação incondicional. Não há forma certa ou errada de mergulhar no mundo interior. A psique é particularmente sábia e, por isso, os mecanismos de proteção são ativados sempre que necessário. Deriva daqui que não é possível processar sugestões ou temas para os quais o/a paciente não está preparado/a. O facto de estar em controlo durante todo o processo faz com que a pessoa em estado hipnótico saiba sempre o que está a acontecer. Importa ainda explicar que, após a saída do estado hipnótico pode ocorrer amnésia temporária, isto é, dificuldade em lembrar de tudo o que aconteceu durante o transe. Este fenómeno natural pode ter rápido retrocesso quando se conversa sobre a sessão e o/a paciente recupera a informação. Tal como numa conversa, lembrar-se-á do que é mais importante e, por isso, captou a sua atenção.
Enquanto ferramenta segura de acesso a informação na mente inconsciente, a Hipnose Clínica permite aceder a padrões aprendidos ao longo da vida. Estes padrões sustentam significados atribuídos a eventos ou estímulos. Moldam, por isso, o processamento de informação como emoções e memórias, e consequentes escolhas e comportamentos no nosso dia a dia. Será possível, assim, encontrar “atalhos” que permitam desbloquear ligações e condicionamentos inconscientes, a fim de que possam passar ao campo da consciência e, assim, ser reconfigurados progressivamente, de forma segura e sustentada no trabalho terapêutico.
Uma ou várias abordagens?
Existem várias técnicas possíveis, pelo que a escolha destas terá sempre em conta o objetivo terapêutico, a história de vida e toda a informação relevante para a avaliação inicial. Após esta avaliação, será desejável que o/a terapeuta apresente uma proposta de trabalho com base nos temas prioritários, bem como nos comportamentos, padrões de pensamento e/ou hábitos a modificar. Tal como em qualquer ferramenta de intervenção terapêutica, também a hipnose clínica pode enquadrar-se em diferentes paradigmas terapêuticos, desde o modelo analítico, passando pelo modelo comportamental até ao modelo cognitivo-comportamental. Será a orientação e a formação do/a terapeuta que guia o enquadramento do uso da hipnose clínica enquanto ferramenta.
De forma mais comum, o trabalho das primeiras sessões incide nas fragilidades ou barreiras encontradas no momento atual, numa lógica de estabilização dos sintomas a fim de possibilitar a tomada de consciência para o que acontece, a identificação das crenças que o alimentam (pensamentos disfuncionais), e identificação de possíveis padrões de pensamento e comportamento alternativos (e mais saudáveis).
Progressivamente o trabalho decorre com foco na mudança, resgatando recursos para a regulação emocional, para a integração de informação potencialmente traumática de forma mais saudável. Reforça-se a mudança em curso através da clarificação dos ganhos que derivam desta, bem como a celebração de conquistas e a gestão de dificuldades com prática de autocompaixão e aceitação incondicional. Nesta fase, o treino de técnicas de forma autónoma é recomendável (como a auto-hipnose), sempre com a monitorização em sessão. Promove-se, assim, a autonomia e a capacidade de resgatar o próprio poder de regeneração psicoemocional. Numa terceira fase, a da manutenção, procura-se estabilizar a mudança no padrão de pensamento e/ou comportamento antecipando fragilidades e desafios bem como possíveis planos de ação.
O número de consultas varia de acordo com o caso, sendo geralmente um trabalho terapêutico que decorre num número de sessões inferior comparativamente a outras terapias sem recurso a hipnose clínica. Cada sessão pode durar até 90 minutos e deve ser realizada em condições de segurança, num contexto que assegure sigilo e tranquilidade, sem interrupções, sendo que o formato online é perfeitamente adequado sempre que necessário.
A hipnose clínica é, portanto, um método natural, simples, mas de grande responsabilidade, realizado por profissionais qualificados devidamente.
Quando recorrer à hipnose clínica?
A hipnose clínica pode ajudar sempre que deseje modificar padrões de pensamento e de comportamento, hábitos disfuncionais, bem como quando tem dificuldades na gestão e regulação emocional. Eis algumas áreas nas quais a hipnose clínica pode ajudar:
Quadros depressivos e / ou ansiosos bem como instabilidade emocional
Fragilidades no autoconceito, tais como dificuldades em estar ou falar em público, e autoestima fragilizada (gaguez, por exemplo).
Vivência problemática de relacionamentos românticos, familiares, laborais, entre outros.
Tiques ou comportamentos involuntários tais como roer unhas.
Cessação tabágica (deixar de fumar)
Controlo de peso
Quadros de cansaço, falta de energia e diminuição de vitalidade
Processos de luto e de adaptação a fases e mudanças de vida
Stress agudo e quadros de stress pós-traumático
Medos e fobias
Dificuldades de concentração (estudo e/ou trabalho)
Condições crónicas debilitantes tais como dor crónica, ou efeitos secundários de tratamentos aversivos (doença oncológica, por exemplo)
Apoio a pessoa com doença em estado terminal e/ou em cuidados paliativos
Fragilidades decorrentes de situações traumáticas
Treino e preparação de alta performance
Numa lógica de autoconhecimento, também poderá beneficiar da hipnose clínica através da consciencialização de padrões de pensamento e de significados que tendencialmente moldaram escolhas e comportamentos ao longo da sua vida. Esta “descoberta” pode trazer-lhe a possibilidade de escolher conscientemente e, por isso, mais a seu favor. Exemplos desta abordagem são as técnicas regressivas (regressão na idade, por exemplo).
Contraindicações
É importante entender que, como qualquer técnica terapêutica, também a hipnose clínica pode ter limitações. Deve evitar-se o uso com pessoas com diagnóstico de perturbação psicótica ou no espectro da esquizofrenia, bem como deve ser utilizada com cautela com pacientes com perturbação bipolar na fase maníaca, pois há o risco de se exacerbar os seus sintomas. Embora possa ser utilizada nestes casos, aconselha-se que seja feita por profissional altamente treinado e especializado na área.
Importa realçar que enquanto ferramenta terapêutica, desaconselha-se a utilização da hipnose como forma de aceder a memórias ou vivências do passado num formato de sessão única, sem enquadramento terapêutico nem uma preparação prévia do campo emocional, mental e sensorial. O risco de se gerar desconforto e sofrimento emocional, sem a essencial sustentação cuidada da experiência por um/a terapeuta, não compensa a “experiência” descontextualizada da hipnose.
Estamos cá para o/a esclarecer se tiver dúvidas sobre a hipnose clínica ou se poderá beneficiar desta.
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“Life will bring you pain all by itself. Your responsibility is to create joy.” (*)
Milton Erickson
(*) A vida vai trazer-te dor por si mesma. A tua responsabilidade é criar alegria.
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Cláudia Andrade (Psicóloga)