Perante a urgência dos dias que correm, a apatia parece surgir como um não-estado, uma existência sem presença. Mas onde começa, então, a disfuncionalidade e onde termina a escolha saudável de desacelerar? Neste artigo procuramos dar resposta a estas questões, abordando a apatia como uma das personagens que cada vez encontramos nas histórias do dia a dia.

 

Eu preferia não fazer.

 

Esta é a frase mais conhecida no conto Bartleby de Herman Melville. Para consternação de todos, este começa a reduzir progressivamente a sua atividade chegando a quase nada, com aparente tranquilidade. Ainda que levada a um extremo dramático, neste conto há uma boa caricatura para demonstrar como a apatia pode ser difícil de identificar no início, e difícil de compreender enquanto se instala no dia a dia de uma pessoa.

 

O que é a Apatia?

 

O termo apatia vem do grego páthos, que significa tudo aquilo que afeta o corpo ou a alma. Apatia pode significar, portanto, a ausência ou diminuição da vontade para experienciar o corpo, as emoções, as sensações, a vida e a morte. Pode traduzir um estado de indiferença, no qual uma pessoa parece não responder, a maior parte do tempo, aos estímulos da vida emocional, social ou física. Por isso mesmo, pode ser difícil distingui-la de depressão, ou de outras formas que podem assumir as perturbações do humor.

 

 

Quando é uma disfunção?

 

A distimia é uma das perturbações que apresenta mais semelhanças com um estado de apatia significativa, pela sua cronicidade e instalação lenta (pelo menos 2 anos). Especialmente na distimia anérgica, há um estado de baixa energia, baixa reatividade e anedonia, ou seja, perda significativa da capacidade de sentir satisfação e prazer. Na apatia, porém, parece existir uma perda significativa da capacidade de sentir seja o que for, positivo ou negativo.

 

Da mesma forma, o impacto da apatia no funcionamento do dia a dia causa menor sofrimento do que nas perturbações do humor. Uma vez que a dormência emocional, física e psicológica é uma característica nas pessoas que vivem na apatia, naturalmente não identificam o sofrimento e o condicionamento que esta pode estar a causar (ou alimentar) no seu dia a dia. Realça-se ainda que a apatia se distingue das perturbações do espectro do autismo porque é apenas um dos seus sinais e sintomas, de entre vários outros que comprometem o funcionamento da pessoa.

 

Sinais e Sintomas da Apatia

 

Pode ajudar prestar atenção a alguns dos seguintes sinais e sintomas:

  • Baixa de vontade ou energia para fazer tarefas do dia a dia, incluindo as que anteriormente eram prazerosas;
  • Ausência ou ténue presença de emoções perante situações que normalmente provocam uma reação emocional, indiferença perante os dias;
  • Estado muito presente de inércia, letargia, impassibilidade.
  • Falta de energia ou de vitalidade;
  • Ter dificuldade (ou falta de vontade) em planear atividades, procurando várias vezes ajuda de outras pessoas;
  • Ausência de vontade para aprender coisas novas, conhecer pessoas novas, ter novas experiências, ou atingir novos objetivos;
  • Ausência de preocupação com os próprios problemas (não confundir com desresponsabilização).

 

 

Armadilhas da apatia

 

Os sinais e sintomas descritos antes podem não ser, na apatia, percecionados como decorrentes de fragilidade na autoconfiança ou autoconceito, nem são vividos como problemas significativos. Esta é uma das armadilhas da apatia: vivida como uma sensação de que algo não está bem, ou com uma sensação de vazio inexplicável, é ainda assim um estado que permite ter uma vida relativamente funcional, sem grandes oscilações emocionais, e com objetivos difusos dos quais se desiste facilmente.

 

Não há alarme em sentir desinteresse nas coisas algures ao longo da vida, somos seres humanos com emotividade saudavelmente variável. Mas o sinal de alerta pode soar quando isso acontece com frequência elevada, a ponto de afetar a forma como nos relacionamos com outras pessoas, como vivemos no trabalho ou no percurso escolar, e na forma como encaramos a vida. Se cada dia é só mais um período de tempo até chegar o próximo dia, e se já não nos lembramos de quando isso começou, então talvez seja o momento para prestar atenção aos sinais internos e externos. É que é nesta fase que reparamos que as pessoas, na constelação de afetos que nos rodeia, começam a dar sinal de que não estamos bem, comentando que estamos “em baixo” e sem energia como dantes.

 

As causas da apatia

 

De um ponto de vista adaptativo, a apatia pode, há primeira vista, não ter utilidade. Observando de perto, porém, pode estar a funcionar como um mecanismo de proteção que, sabiamente, a psique vai instalando na vida de quem a vive. Isto pode ser tão mais válido quanto se identificam ganhos secundários para este estado de apatia. De facto, por mais contraditório que pareça, pode ter sido difícil (ou insuportável), a certa altura da história da pessoa que vive a apatia, ter-se permitido sentir alegria ou tristeza, serenidade ou raiva, satisfação ou inquietude. A ausência de variabilidade nas sensações e emoções pode ser percebida como mais cómoda, menos difícil, uma alternativa mais segura.

 

Do ponto de vista neuropsicológico, poderá existir uma base biológica para a instalação da apatia. De entre vários, um estudo da Universidade de Oxford mostra que as regiões do cérebro responsáveis pelo planeamento e antecipação de recompensa/esforço são mais intensamente ativadas em pessoas com significativo grau de apatia. Isto pode significar que a maior sensibilidade para percecionar algo como custoso pode estar na origem dos sinais de letargia e inação comuns na apatia. Assim, é como se uma pessoa que vive apatia precisasse “de mais esforço para transformar uma decisão em ação,” e por isso se “uma pessoa precisa de energia para planear uma ação, então é mais custoso para as pessoas apáticas tomarem ações pois o cérebro delas precisa se esforçar mais.”.

 

Seja qual for a explicação de melhor responde à vivência da apatia, pode usar-se a velha máxima que defende que cada caso é um caso e há diferentes “apatias”. Sabe-se que há fatores de risco associados à vivência crónica de um estado de apatia, podendo esta progredir para uma perturbação do humor ou outra, com sério impacto no funcionamento social, ocupacional e de autocuidado.

 

 

Perguntas poderosas

 

Perante a apatia, há perguntas importantes a fazer:

Como seria a minha vida se não vivesse nesta apatia?

O que estou a perder?

O que poderia ser diferente, o que poderia fazer ou deixar de fazer, se esta apatia desaparecesse?

Imagino a minha vida sem esta apatia?

 

Aconselha-se a prestar atenção aos sinais e sintomas descritos, sendo que a abordagem terapêutica com psicoterapia, seguida de psicofármacos, é uma das mais eficazes na recuperação da qualidade de vida nestes casos. Para quem vive na apatia, o que se perde é a esperança de que é possível sentir-se felicidade e plenitude, bem como a dor e sofrimento que mostram exatamente o que precisamos para impulsionar a vida no sentido contrário. Perde-se a experiência de se estar vivo/a.

 

No conto de Herman Melville, Bartleby acaba por desaparecer no adormecimento de si mesmo. E até quase ao fim da sua vida, teve uma assistência de personagens que assistiram angustiadas, mas sem ação, ao que ia sucedendo. Talvez seja importante perceber que personagem estamos a assumir na nossa vida, sendo certo que é possível terminar capítulos nessa história, dando lugar a novos. Basta começar, e não tem de ser sozinho/a.

 

 

Mestre, são plácidas

Todas as horas

Que nós perdemos,

Se no perdê-las,

Qual numa jarra,

Nós pomos flores.

Mestre, excerto do poema de Ricardo Reis

 

Cláudia Andrade – Psicóloga e Hipnoterapueta WeCareOn

 

Para este artigo foi realizada uma pesquisa que inclui as referências seguintes:

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) American Psychiatric Association (2014) Artmed Editora.

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Dysthymia and Apathy: Diagnosis and Treatment