A realidade e o Processo de luto

A perda de vidas, empregos e até da rotina transformou a Covid-19 numa crise psicológica. Esta pandemia confronta-nos com perdas de vidas em número relevante, sobretudo sob circunstâncias muito difíceis. O processo de luto passou a ser algo comum nas nossas vidas.

 

Mas, afinal, o que é o luto? Há algumas definições com discreta variabilidade, eu escolhi uma das mais clássicas: a do grande teórico da psicologia John Bowlby. Segundo ele, o luto é um processo natural que ocorre em reacção a um rompimento de vínculo.

 

Apesar de não haver maneiras certas ou erradas de sofrer, há maneiras saudáveis de lidar com a dor, que, com o tempo, podem atenuar a tristeza e ajudar-nos a aceitar a perda, a encontrar um novo sentido para a vida e seguir em frente.

 

Ouvimos tanta coisa que nem sempre sabemos se é mesmo verdade. Com a temática do luto isso também acontece. Muitos são os “conselhos” que abundam por aí… Mas, será que eles são realmente a melhor opção? Será que devemos seguir os nossos “populares conselheiros”?

 

Hoje eu trouxe-lhe alguns mitos sobre o processo de luto, explicando-lhe porque é que são mitos!

 

Enquanto profissionais, precisamos ajudar os nossos pacientes/clientes a entenderem o que de facto é verdadeiro. Então, vamos lá.

 

Mito 1: “Uma pessoa não deve falar sobre o assunto”

 

Isso é um perigo para a saúde psicológica, mental e emocional da pessoa enlutada. Quanto mais se fala sobre o assunto, melhor. A pessoa entra em contacto com a sua dor e expõe os seus pontos de vista e emoções (o que é condição essencial para um correcto processamento da dor emocional).

 

Mito 2: “Uma pessoa tem que ser forte”

 

Quem disse que estar triste, vulnerável ou em sofrimento, é sinal de fraqueza?! Fingir que está tudo bem é muito mais difícil e doloroso. A pessoa tem que usar uma máscara (que ao longo do tempo vai-se confundindo com a “própria pele”), sendo que por dentro ela sente-se extremamente vulnerável, triste, angustiada. O momento deve ser sentindo tal qual ele é, situação a situação, para não ficar abafado, ‘engasgado’ dentro de nós.

 

Mito 3: “A pessoa enlutada tem depressão”

 

Algumas manifestações do luto e da depressão são semelhantes, como choro, tristeza, apatia, insónia, bem como a falta ou excesso de alimentação. Contudo não significa que luto e depressão sejam a mesma coisa. O luto é uma reacção normal e esperada diante da perda de algo ou alguém significativo. Portanto, viver um luto de forma saudável é preventivo de uma possível depressão mais à frente, inclusive.

 

Sentes que não consegues lidar com esta situação? Pede ajuda!

 

Mito 4: “A pessoa enlutada deve ser medicada”

 

Oops!! Vamos lá a ter calma. O luto não é uma doença que precisa medicação para ser curada. Sim, em alguns casos (muito específicos) os medicamentos podem ser indicados (pelos médicos), noutros casos, absolutamente não, até porque estaríamos a psicopatologizar algo que na essência é um processo necessário e natural. O sofrimento psíquico não precisa ser sempre medicalizado (a alienação não é remédio). A avaliação do profissional é muito importante. Dopar a pessoa não é recomendado já que a participação nos rituais ajuda a processar a morte e a elaborar o luto.

 

Mito 5: “A pessoa precisa voltar às actividades imediatamente”

 

É verdade que a “licença” para o enlutado é bem reduzida. Mas essa história de quanto mais ocupado melhor não funciona bem, ou pode até acabar mal.  É necessário um tempo para reflectir, vivenciar e assimilar a perda e assim processar o que se sente. Além dos factores burocráticos. Um retorno rápido às actividades pode, certamente, impedir esse contacto com o sofrimento e a dor, prejudicando a elaboração saudável do luto.

 

Mito 6: “As crianças não entendem sobre morte e luto, é melhor deixá-las fora disso”

 

A negação dos acontecimentos, fingindo que está tudo bem não protege as crianças. Pelo contrário. As crianças percebem os comportamentos e reacções emocionais das pessoas à sua volta e podem criar fantasias em relação aos factos, como por exemplo sentirem culpa de algo que não fizeram. Elas também precisam passar pelo processo de luto junto com a família.

 

 

 

Sara FerreiraPsicóloga Clínica, Psicoterapeuta, Membro Efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses